Pirateando livros e ferrando o Brasil

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Escrever um livro mudou profundamente a visão que eu tinha a respeito da pirataria e após longas conversas com amigos e Nanna chegamos a conclusões bastante interessantes.

Como é escrever um livro

Minha experiência pessoal possivelmente é similar à de diversos autores. Foi um trabalho hercúleo no primeiro e está sendo ainda maior no segundo (e terceiro). Pra começar faço a melhor pesquisa bibliográfica que conseguir (e acreditem, sou muito bom nisto (é um dos usos práticos do curso de Filosofia)). A leitura mínima para uma publicação gira em torno de umas 10.000, 20.000 páginas contando artigos, livros, posts em blogs, anotações, código-fonte e muito mais. De fichamento para o meu primeiro livro  tenho algo em torno de umas 1500, 2000 páginas (fichamento). (e sim, há um forte investimento financeiro na obtenção deste material)

O estudo é a parte fácil e enriquecedora da coisa: logo em seguida vêm a escrita. E posso lhes dizer: dói. São noites sem dormir, dias com idéias fixas e insights que soam geniais no primeiro momento para se mostrarem cretinos no dia seguinte. Entram aí terríveis bloqueios, horas  inerte diante de um teclado. É o período no qual dou graças aos céus por ter me casado com alguém que me entende e incentiva, pois não acredito que outra pessoa me suportaria.

Yeap: você passa a pensar duas vezes antes de piratear qualquer coisa, e depois de sentir na pele como eu senti ao ver minha “criança” sendo pirateada no Mercado Livre você está vacinado contra pirataria.

“Justificando” a pirataria

Só há uma justificativa para a pirataria: é fácil e você não pensa no produtor. É simples assim: nós apenas queremos ter acesso á música, livro, jogo, etc da forma mais barata possível. Recentemente em uma discussão vi uma série de argumentos comuns que vale muito à pena destruir aqui.

“Quem nunca pirateou que atire a primeira pedra. Seu hipócrita, você não tem moral alguma pra dizer algo contra o ato de piratear porque também já o fez”

Há tanta coisa errada neste argumento que sou obrigado a me focar em apenas alguns detalhes. O primeiro é o fato deste ser baseado em um mundo estático. Se cometi um crime no passado e depois percebi que estava errado (e de preferência paguei pelo prejuízo causado) sim, eu posso recriminar a prática o tanto que eu quiser. Uma vez errado não implica em sempre errado. É como impedir um viciado de falar sobre os males que o vício causa.

E outra: na minha opinião justamente quem pirateia é que deve discutir o assunto para que, no diálogo com o mercado, este possa pensar em alternativas para minimizar o problema sem ferir o consumidor.

“Não vale o preço cobrado.”

O que acho mais interessante neste argumento é que raríssimas vezes o vejo acompanhado de uma justificativa que comprove o elevado preço do objeto. Interessante que, mesmo se viesse, ainda não justificaria o roubo e, se o justificasse, tornaria o furto quando executado pelos menos favorecidos um ato heróico.

Se realmente for muito caro você não precisa roubar a coisa: apenas espere para que o próprio mercado obrigue o fornecedor a baixar o valor não pagando por esta. Há ainda os que acreditam que toda produção cultural deva ser distribuida gratuitamente, como se escrever um livro, compor uma música ou pintar um quadro não fosse trabalho digno de remuneração.

“Em um país como o Brasil criticar a pirataria não faz sentido.”

Interessante: então quer dizer que existem países nos quais a pirataria deve ser a norma? Discordo: justamente por estarmos no Brasil aonde a pirataria impera é que devemos criticar e discutir ao máximo possível a prática.

Há um aspecto filosófico muito interessante neste argumento: implícitamente ele diz que o “bom” é aquilo feito pela maior parte das pessoas, tipo um “maria vai com as outras moral”. A liderança assim como as revoluções positivas normalmente surgem quando alguém se opõe a um movimento que claramente só trás danos.

Por que pagar se posso ter de graça?

Este é o argumento mais difícil de bater. O máximo que posso fazer é expor a razão pela qual vale à pena pagar. Pagando você incentiva a produção: com mais gente comprando você pode baixar o preço. Muitos vão dizer que não é sempre o caso (vide Apple), mas quando falamos de produção literária, sim, é o caso.

Eu por exemplo penso sériamente em viver da escrita, não o faço (ainda) em grande parte devido à pirataria que inviabiliza muita coisa. Fico pensando na maravilha que seria uma O’Reilly investindo no mercado nacional. Agora: como justificar para um estrangeiro o risco de apostar em um país em que as pessoas acham natural compartilhar em redes sociais e-books?

E posso dizer isto por já ter sentido na pele como fornecedor também. Meus últimos clientes no mercado livreiro de distribuição fecharam por não conseguirem competir com a pirataria digital (tablets). Então sim: a pirataria está trazendo problemas reais.

Você paga pelo que poderia obter de graça por que quer viver em um país melhor e mais culto. Por que gostou do que o “otário” produziu e quer ver qual será sua próxima novidade, por que você quer se encontrar com ele e não sentir lá no fundo vergonha por ter lhe passado a perna.

#pronto_falei

Update 20/7/2014

Novamente passei por uma situação desagradável envolvendo pirataria do meu trabalho. Me foram expostos uma série de argumentos a favor da pirataria inclusive. Argumentos estes que não se sustentam, o que me fez escrever um novo post sobre o assunto que pode ser acessado neste link.

Pequeno adendo: 13/7/2013: 8:30

Quando as pessoas dizem que pirataria tira empregos normalmente parece que é algo longe de nós, mas no meu caso é bem próximo. Uma das razões pelas quais a plataforma Livreiro que desenvolvi no início da minha carreira simplesmente acabou foi por causa da pirataria que os tablets propiciaram aqui no Brasil. Então, sim: tá aí um exemplo real da consequência.

 


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