E não é que Pascal, no século XVII, ao expor o seu conceito de tirania sem querer descreve os nerds tiraninhos que implicam com todos aqueles que usam tecnologias diferentes das suas favoritas em pleno século XXI?
A definição é feita no fragmento 58 da sua obra inacabada “Pensées” (em português “Pensamentos”). Segue o fragmento:
“A tirania consiste no desejo de domínio universal e fora da sua ordem.
Diversos comportamentos de fortes, de belos, de bons espíritos, de piedosos, dos quaqis cada um reina na sua parte, não noutra parte. E às vezes se encontram, e o forte se bate com o belo como tolos disputando quem terá o domínio do outro, porque o seu domínio é de gênero diverso. Não se entendem. E o erro deles está em querer reinar por toda parte. Nada o pode, nem mesmo a força: ela nada faz no reino dos sábios, ela só tem o domínio das ações exteriores. – Assim, estes discursos são falsos…”
Resumindo, para Pascal a tirania consiste na tentativa de se negar a natureza própria das coisas – toscamente falando, consiste em tentar encaixar retãngulos em circulos. O tirano pode até mesmo conseguir, mas nunca terá um resultado BOM de fato.
E aonde o nerd tiraninho entra nesta?
Com certeza você já viu discussões em fórums do tipo “Java vs. .net”, “Mac vs. PC”, “Linux vs. Windows”, “X vs Y” que raríssimas vezes (eu nunca vi) resultam em alguma conclusão válida. E a razão é muito simples: uma tecnologia é criada visando resolver um conjunto de problemas (ou apenas um) específico, e não todos. A negligência deste fato é que torna a discussão idiota.
Nesta nossa área de TI é muito comum a ocorrência deste sentimento infantil de fascinação por uma tecnologia específica. A impressão que tenho é a de que os “profissionais” se tornam crianças, e a tecnologia em foco passa a ser vista como um martelo para o qual todos os problemas são pregos.
Vou dar um exemplo (é apenas um exemplo, por favor não vamos abordar este tema aqui ok?) de discussão recente: “.net é melhor que Java porque se integra melhor em forma nativa com Windows”. Fica nítido aqui o que Pascal disse acima?
- Java foi criado para ser multiplataforma, e não oferecer integração nativa profunda com nenhum sistema operacional específico (até consegue, mas não é algo nativo da plataforma).
- .net foi criado com o objetivo de substituir a API Win32 do Windows e oferecer um novo ambiente de execução/desenvolvimento para o ecosistema Microsoft (o papo multiplatforma sempre foi balela desde o início, convenhamos)
Percebem? Objetivos distintos. Não há como dizer que um seja superior ao outro levando este aspecto em consideração. Se a discussão fosse algo do tipo “qual ambiente de código gerenciado oferece maior segurança”, ai sim um poderia ser superior ao outro, pois um dos objetivos em comum entre as duas plataformas é justamente oferecer melhor segurança. Infelizmente, ESTE tipo de discussão é raro.
Não: o seu Java não vai resolver todos os problemas do mundo, assim como o seu .net, e o seu amado Delphi não é a ferramenta mais produtiva do universo em todos os aspectos, assim como o seu Ruby on Rails ou Grails. A tecnologia só se destaca de FATO para o conjunto de objetivos ao qual VISA atender.
Sendo assim, por favor, lembre-se: no mundo não há só pregos: há porcas, parafusos e muitas outras pecinhas.
PS:
e convenhamos, tiraninhos normalmente são muito chatos…
PS2:
e este papo de que “linguagem é tudo igual” também é furado demais da conta…
Deixe uma resposta