Minhas leituras ruins de 2016 – como avalio livros técnicos

Todo final de ano publico algo neste blog sobre minhas boas leituras do período (farei isto agora em dezembro). Este foi um ano de muitas leituras e, infelizmente, boa parte delas considerei puro desperdício do meu tempo. Vou falar aqui de livros técnicos:  poderia listar uma longa lista de títulos, mas creio que é mais produtivo, ao invés, expor como avalio um livro técnico.

Não será uma avaliação geral sobre livros técnicos, mas sim sobre aqueles que me interessam, isto é, livros de programação. Talvez este post soe agressivo: é por que  é. Livro é algo que levo muito a sério. Literalmente minha vida se funda neles.

Entenda, minha crítica não é a blogs ou tutoriais. É a livros, vendidos como livros, pelos quais você paga ou com seu tempo ou com seu dinheiro ou com ambos.

O tutorial disfarçado de livro

O que busco ao comprar um livro técnico: um conhecimento aprofundado a respeito do assunto que estou estudando. A leitura vai além do simples “aprender como se faz”, vai além de um mero “passo a passo”.

Não quero aprender como persistir dados usando um banco de dados NoSQL, por exemplo. Quero saber como eles são persistidos, por que são persistidos como tal, o quê motivou a tecnologia a ser daquela maneira, os limites da tecnologia. Quero que minha experiência de leitura me leve a um nível superior de conhecimento. Estas perguntas foram respondidas? Meus livros favoritos responderam a estas perguntas ou ao menos tentaram e, ao tentar, me criaram questionamentos que me motivaram a pesquisar mais a respeito.

Entre gastar meu dinheiro lendo um mero “passo a passo” a ler a documentação oficial, prefiro a segunda opção. É de graça, é fonte primária, foi escrito por quem criou a tecnologia ou tem um contato mais íntimo com esta.

Mais do que isto: um bom livro vai além. O autor irá tratar dos conceitos que envolvem aquela tecnologia, se termino a leitura aprendendo e entendendo novos termos, tive uma boa leitura, terá valido à pena.

(Wittgenstein dizia que nosso mundo é nossa linguagem. Se você aprende novos termos, seu mundo cresce. E eu não creio nisto, eu tenho certeza.)

Nada impede um livro de ter lá seus tutoriais embutidos (tem de ter mesmo!), mas estes obrigatoriamente devem ser precedidos de uma boa abordagem conceitual ou estarem mergulhados nela.

Livro é pra aprofundar, tutorial é pra quebrar seu galho. Não seja tonto, economize seu tempo!

(agora, se o livro se vende como tutorial, é válido!)

O conhecimento que surge do autor, e apenas do autor – por que a bibliografia importa (e muito)

O livro tem bibliografia? Não? Tutorial disfarçado de livro detectado.

O autor foi o criador da tecnologia? Se sim, esta tecnologia foi criada a partir do nada? Se não, aonde o autor aprendeu sobre ela? Autor que não cita fontes caracterizo em uma das opções abaixo:

  • Desonesto intelectual.
  • Alguém que não tem o preparo mínimo necessário para publicar seu trabalho.

A bibliografia, que muita gente ignora, é vital. Ela nos possibilita:

  • Ter acesso às fontes primárias que possibilitaram a escrita do livro.
  • Nos aprofundar no conteúdo do livro através da leitura do material auxiliar.
  • Validar o que está escrito. Mostra que o autor não está expondo sua mera opinião.
  • Mostra a fonte que o autor estudou para compor seu trabalho. Isto é fundamental para entender de onde vêm as opiniões do autor. Mais do que isto, mostra que o autor estudou!

(livro técnico fundado em opiniões é livro furado)

Recentemente comprei um livro sobre um dos meus frameworks favoritos e fiquei chocado com o fato do autor decorrer o texto inteiro sem fazer uma citação sequer e, claro, sem bibliografia e, claro, era um reles “passo a passo”. Se este livro fosse físico, talvez eu o usasse para limpar cocô dos meus cachorros.

Resumindo: livro não tem bibliografia? Desconfie. Sempre olhe o índice. No exemplo acima cometi este pequeno deslize e mais uma vez perdi meu tempo.

(e olha: tem autor famoso (muito) por aí que além de não citar fontes, muda o nome de conceitos conhecidos há décadas para você achar que são criação sua. Fique esperto, nem o nada surge do nada)

Autor despreparado

Aqui entra um ponto que considero ser fundamental: a responsabilidade do autor. Quando você compra um livro, o faz esperando que o autor seja alguém que tenha vivência técnica com aquela tecnologia, certo? E quando não tem? Indo além, como detectar isto?

Fácil: primeiro que hoje temos ferramentas como LinkedIn, Facebook e blogs, que nos permitem, pelo menos checar o currículo do autor. Sabe aquela orelha na qual fala um pouquinho sobre o autor? Leia aquilo! Vai te poupar muito tempo. Não tem texto falando sobre o autor ou o texto é exageradamente curto? Desconfie.

E no livro, é possível detectar a experiência do autor? Yeap, mas é algo um pouco mais sutil. Normalmente autores que não tem uma vasta experiência com a tecnologia só falam bem dela. Não expõem dificuldades inerentes ou suas limitações (e todas elas são limitadas em algum aspecto, não se esqueça).

E aí entra outra pergunta: um autor com pouca experiência no assunto está proibido de escrever livros? Respondo: pode  se for intelectualmente honesto. O que quero dizer com isto? Simples: é 1000 vezes mais válido se apresentar como alguém que está iniciando-se na tecnologia que como um expert.

Aliás, ler as dificuldades de quem está começando em algo sempre é uma leitura extremamente enriquecedora dado que o leitor normalmente também está começando e portanto se identifica com o autor e suas dificuldades. Agora, já o expert com seis meses de experiência… desculpe, é picareta.

Título enganador (ódio!)

Alguns meses atrás na itexto quis comprar para um estagiário material sobre REST. Queria que ele entendesse bem os conceitos fundamentais e também algumas técnicas essenciais.

Foi quando cometi o erro de comprar um livro sobre o assunto escrito por um autor que muito considero só pela capa: qual não foi minha surpresa ao descobrir que mais da metade do livro era sobre Java, e não REST? Por que a merda do livro não colocou no título isto, ou mesmo no subtítulo? O que eu queria? Conceitual sobre REST. O que ganhei? Java EE!  AHHH!!!!! Pior. Eu nem li o livro e já passei pra ele! Até hoje peço desculpas!

Sabe o subtítulo? Ele tem uma boa razão para existir: sua função é enriquecer o título mostrando um detalhamento melhor sobre o que aquele livro trata. Assim idiotas como eu, que compram na correria não compram errado (e não, piadinha no subtítulo de livro técnico é muito sem graça, vai por mim).

Pior: muitas vezes você deixa de ler algo excelente por causa do título enganador. O melhor livro que já li sobre uma certa linguagem de programação, por exemplo, tem um título mais ou menos assim: “Linguagem X com Framework Y”.

O livro quase não fala de Y, e o que fala sobre X é brilhante e profundo. Muita gente não o compra achando que é sobre Y. Ao questionar o autor, sabe o que ele me respondeu? “A editora me disse que venderia mais se eu também falasse sobre Y”. Resultado: cagaram no livro (e num puta livro!).

Destraduções

Existe tradução e destradução no vocabulário Kiconiano. O ato de se traduzir um livro é de uma responsabilidade monstruosa. O tradutor, além de cumprir o seu papel literário, está também cumprindo um papel social. Está tornando acessível a uma camada enorme da população que não domina o idioma original da obra acesso a esta.

Aí você, que não sabe nada de inglês lê em seu livro “tipos de costume”. Pensa se tratar de uma abordagem social ligada à computação, certo? Errado, são tipos customizados. Agora dou nome a alguns bois como exemplo. Tenho uma cópia em português do “Arte do Desenvolvimento Ágil” e outra do “Hibernate em Ação” que se eu jogar na parede grudam de tão nojentas. Recentemente tive uma experiência péssima de leitura com o “Clean Code” para português também.

Mas aqui preciso ser justo: as traduções tem melhorado muito de uns anos pra cá. Ainda há problemas? Há, mas estão reduzindo e não posso tirar daqui esta minha crítica a livros que são bons no original e um cocô na tradução.

Ausência de índice remissivo

Sabe o índice remissivo? Aquele outro índice, normalmente presente no final do livro que é usado para que a gente saiba aonde um termo aparece no texto? Parece inútil né? Né não!!!

Dado que livro é material de referência, se ele for físico não ter esta informação toma muito meu tempo quando quero me lembrar aonde um conceito foi tratado. Sabe… não tem Ctrl+F em lívro físico. E por falar em livro físico…

O aspecto do livro físico

Parece futilidade, mas não é. Ainda sou uma pessoa que compra livros físicos e considero um tapa na minha cara, enquanto consumidor, quando vejo em minha prateleira um livro que comprei há seis meses simplesmente se desfazendo em minhas mãos.

Entendam algo editoras (nacionais e estrangeiras): se alguém compra um livro físico, tem dentre os interesses a durabilidade do que está comprando. Eu, por exemplo, gosto de livros físicos como material de consulta, no meu caso são inclusive ferramenta de trabalho.

Engana-se quem acredita que livros de informática têm curta durabilidade: no meu trabalho com pesquisa de legados, por exemplo, uso material que foi impresso duas, às vezes três décadas atrás (acredite se quiser).

Livro não é como periódico que tem curta duração. Já notou que as pessoas deixam os livros expostos em estantes por anos? É coisa feita pra durar, não pra se desintegrar com o tempo!

Claro, há livros e livros. Se o valor for muito baixo e o material for vagabundo, é até válido. Já se for caro, é inaceitável. Exemplo: minha edição do Introduction do Algorithms (paguei quase R$ 400,00 na época!) do Cormen: conteúdo lindo, fisicamente um LIXO.

Concluindo

Bom, estas foram minhas leituras ruins deste ano e do passado. Talvez como autor eu tenha cometido alguns destes erros (torço para que não). Achei que seria interessante compartilhar aqui o que mais tem me incomodado.

Claro que há exceções, sempre há. Sim, há um ou outro tutorial disfarçado de livro que é livro mesmo, mas são muito raros, extremamente raros. E naturalmente, esta é apenas a minha avaliação literária de livros técnicos então, se te ofendi… problema seu.

Daqui a pouco escrevo sobre as minhas excelentes leituras que fiz em 2016. Muito livro bom!

PS: este foi um post desabafo.


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Comentários

10 respostas para “Minhas leituras ruins de 2016 – como avalio livros técnicos”

  1. Avatar de Iratuan Junior

    Possuo a cópia do hibernate in action e é triste. Possuo também uma cópia de outra obra, famosa, que cita armazém jee.

  2. Avatar de Mauricio Nunes
    Mauricio Nunes

    O que acontece quando você identifica que o livro não é aquilo que você pensava ser? Você o continua lendo, ou para na metada?

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Se comprei tento terminar. E a coisa vai bem além da “metadata”…

  3. Avatar de Fernando Boaglio

    Falando em destraduções, tenho um colega que trabalha com dublagem e diz que ele não faz tradução, ele faz versão brasileira, que, além da tradução, adapta o contexto também. E isso é algo raro infelizmente, são poucos os livros que tem detalhe do tradutor. Lembro de um de Hibernate 3 que o tradutor era professor de alguma faculdade federal, foi uma das melhores que já li.

  4. Avatar de Thiago Santos
    Thiago Santos

    Alguns da Casa do Código parecem tutoriais, tirando o seu de Grails e outros poucos.

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Obrigado!

  5. Avatar de Éderson Cássio
    Éderson Cássio

    Reflexões muito pertinentes. Também tenho vontade de ter uma carreira de escritor, e esse tipo de dica agrega muito.

  6. Avatar de Pablo Dias

    A tradução do “Clean Code” é tão horrorosa que serviu como pontapé para eu estudar mais inglês. Aquilo lá é traumatizante!

  7. Avatar de Flávio Martins Prado
    Flávio Martins Prado

    Nossa, ótimo post!
    lembrei de uma vez que meu irmão, que trabalha com conectividade, estava de mudança pra SP. Estava dando um monte de coisas, e tinha num canto dois livros sobre switchs e roteadores. Eu perguntei se podia levar, ele falou que não, ele ia jogar fora…
    Fiquei olhando meio torto, e ele pegou um dos livros e me fez ler uma linha. Tinha algo assim escrito: “O edifício […] amontoado de chamadas”, e ele me disse que ficou um tempo até entender que era a construção da pilha de chamadas…
    E não deixou mesmo eu levar o livro, nem deu pra ninguém… Nunca imaginei que alguém seria tão irresponsável a ponto de publicar algo nesse nível… Era evidente que se tratava de tradução automática sem revisão (da tradução, imagine revisão técnica)…

  8. Avatar de Frederico
    Frederico

    Eu tenho comprado livros físicos nos últimos meses, apesar de não estar me empenhando como gostaria neles, ainda tenho uma preferência por livros digitais.

    Comprei pelo menos uns 2 ou 3 livros que a folha é tão fina que parece que vai rasgar se eu estiver lendo em algum lugar que está ventando, pelo menos o valor era baixo.

    Sobre livros traduzidos, muitas pessoas reclamam da série de livros “Use a cabeça”, falam que a tradução é medonha, eu nunca comprei algum livro deles justamente por esta crítica, tenho comprado os da “Casa do código”, tenho gostado bastante, ainda mais por serem livros nacionais.

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