De uns anos pra cá tenho visto cada vez mais a palavra startup proliferando em artigos, redes sociais, blogs, etc. Empresas inteiras são criadas apenas para incentivar o empreendedorismo. É muito óbvio pra mim que há muita coisa podre por aí e neste post vou jogar algumas no ventilador.
O Empreendedorismo Obrigatório
Demorou um tempo pra cair a ficha, mas observo atualmente a presença do que chamo “empreendedorismo obrigatório”. Não há dúvida de que o ato de empreender, ou seja, gerar valor através da criação de novos mercados ou mesmo no investimento de mercados já existentes é uma das molas propulsoras do crescimento econômico de qualquer nação. Só um louco diria ser a idéia do empreendedorismo algo ruim. Porém o empreendedorismo compulsório a meu ver só destrói: e muito.
Fica claro naquelas conversas de bar ou eventos de desenvolvedores nos quais um dos participantes de repente diz estar satisfeito com o seu emprego atual. Segue uma rajada de olhares de desprezo do tipo “medíocre detectado”. Sabe, não há nada de errado em ser um excelente funcionário e crescer em uma empresa por ter gerado valor a esta: muito pelo contrário. Se você gosta do seu trabalho e acredita estar gerando mais dinheiro para seus empregadores, desde que estes te valorizem profissionalmente, você é um vencedor. Orgulhe-se disto, aprofunde-se no que faz, ignore estes cretinos e seja feliz. Simples assim.
Agora, se você não está disposto a assumir riscos (ou simplesmente não pode), tornar-se um empreendedor compulsório apenas para gerar uma boa impressão me soa como burrice absoluta com quase 100% de chance de fracasso.
E sabem o que acho mais engraçado? Há todo um glamour envolvendo o empreendedor ligando-o ao conceito de aventureiro (que realmente é), mas já repararou que o lado negativo do aventureiro raríssimas vezes é exposto? Sabem de onde vêm a palavra “aventura”? Vêm do latim: “ad venture”, o que “está a frente”. O desconhecido, apesar de excitante, não necessáriamente é bom. Em uma neblina bruta nada impede que seu próximo passo seja em um buraco. E sabem de uma coisa? A vida é uma neblina e o mercado uma das mais densas. Então todo aventureiro para que possa ser caracterizado como tal obrigatóriamente deve ter a irresponsabilidade como característica. Apostar no certo não é aventurar-se, mas sim assegurar-se, e não há nada errado nisto.
Fico pensando: a inclusão da matéria empreendedorismo nas faculdades acaba facilitando o empreendedorismo compulsivo. O empreendedor normalmente tem uma intuição e acredita nesta. Não sei se o ato de intuir é ensinável. Ensináveis são os conceitos básicos de Direito, Administração e Contabilidade que, curiosamente, vejo sendo ignorados. Por que será né?
O motivador que na realidade explora
O tempo inteiro vêmos em redes sociais posts muito parecidos com o exposto abaixo:
Acho certo que haja o incentivo ao empreendedorismo, o problema é que não sei se já notaram mas é feito de forma (suspeita) inversa. Na ciência quando uma tese surge nós tentamos invalidá-la através do questionamento ou apresentação de contra-exemplos. E esta forma de trabalhar funciona já faz um bom tempo e é bem comprovada: se chama método científico. Já observaram que o mesmo não ocorre quando alguém propõe sua idéia de negócio? O primeiro passo consiste em validar a idéia e, ainda mais interessante: normalmente aquele que vai contra (como eu neste post) passa a ser mal visto.
Não é pra menos: você vê nítidamente uma indústria surgindo ao redor do conceito de startups. Fábricas de software, consultorias, motivadores, publicações, cursos, enfim: tudo pra que você fique rico rápido com sua idéia genial. E este é um segmento de mercado em franca expansão, então é importantíssimo que você não seja um covarde e ponha suas idéias em prática: alguém precisa pagar as contas deste povo não é mesmo?
Por que as dificuldades também não são expostas de cara? A nossa altíssima carga tributária, a complexidade contábil ou mesmo as armadilhas da administração. Já tentou contratar alguém? Eu já e posso dizer com muita segurança: é caro e complicadíssimo, e para que o seu empreendimento tenha sucesso, você não pode contar só com seus sócios, a não ser, é claro, que eles tenham dedicação exclusiva a isto, o que me leva ao terceiro mito.
“Meu primeiro emprego é minha startup”
Já cai nesta. Criei a itexto em 1999 quando ainda estava no segundo grau, e é uma daquelas situações que merece o selo Bino de cilada. Olhando pra trás fico besta com o quão imaturo eu era até 2003, 2004. Lembro que ouvia o pessoal me dizer coisas como “pra comandar um dia você tem de ter sido comandado também” com desdém. E sabe de uma coisa? Eles estavam 110% certos.
Só quando iniciei meu primeiro emprego na ECM é que comecei a entender os problemas dos meus clientes e mesmo como lidar com meus fornecedores e contratados. Então, minha sugestão pra você que tá começando é a seguinte: não faça o que eu fiz, pegue um emprego, é a melhor escola possível. Se for horrível, você aprende com os contra-exemplos, caso contrário, com exemplos, é um ganha-ganha pra quem tem como foco ser dono do próprio nariz. Interprete seu emprego não como um trabalho, mas como uma escola.
O nome startup é enganador
Esta é outra impressão que tenho: já li o “Lean Startup” que tem uma definição interessante do termo, mas na boa? Uma startup ainda é uma empresa como qualquer outra. Você ainda vai ter os mesmos encargos tributários (há um projeto de lei rodando por aí pra mudar a coisa, mas ainda não se materializou), contábeis, administrativos e tudo mais.
E sabem o que acho mais interessante? As pessoas se esquecem de um fato básico: pra que a empresa tenha sucesso, se você já tem um emprego, ela tem de substituir o que você ganha no seu trabalho atual para que você possa ter dedicação exclusiva. Criar uma startup não é mais fácil que uma empresa convencional apesar do nome prover esta ilusão.
Concluindo
Quatro anos atrás publiquei aqui um post chamado “Síndrome de Bill Gates” em que expus minha própria experiência na área, mas hoje acho a situação muito pior. Tenho visto cada vez mais pessoas perderem literalmente TUDO porque ninguém lhes disse antes que sua idéia era péssima. Sei que muito do que escrevi aqui (provávelmente tudo) é desagradável, e é mesmo. É muito chato quando alguém te joga um balde de água fria na sua idéia que parece tão linda, nos seus sonhos que parecem tão concretos. Talvez você me veja como um fracassado invejoso ou algo assim, mas pelo menos durmo com a consciência limpa se tiver acordado alguém pra realidade.
O fomentador de empreendedores não deve ser o que passa a mão na cabeça, mas o que te aponta as falhas. Simples assim: de resto, não passam de aproveitadores. Sou a favor de mais exemplos de empresas que não deram certo e menos cópias de Twitter, Facebook, Apple.
PS: e eu continuo empreendendo. Atualmente to investindo uma fortuna numa doidera que têm tirado meu sono por meses. :)
Infelizmente o empreendedorismo ta virando moda. Mas acredito que assim como toda moda passa, esses empreendedores vão passar também. Vai sobrar apenas as pessoas realmente que gostam do que faz.
P.S.: A cada post seu fico mais fã. hehe
Opa, valeu André! :)
Parabéns pelo texto, acho que é isso. Surge mais especialista em Startups do que empresas de sucesso.
Oi Leandro, obrigado. :)
Você fala de muitos pontos, alguns concordo, outros não.
A ideia central do texto sobre como há muito hype em torno da startup; assino embaixo. Só vou pegar um ponto aqui para destacar:
“Na ciência quando uma tese surge nós tentamos invalidá-la através do questionamento ou apresentação de contra-exemplos. […] O primeiro passo consiste em validar a idéia e, ainda mais interessante”
Cara, esses dois pontos não tem comparação nenhuma. Duas coisas:
– Se você está perto de gente que não aceita feedback negativo construtivo, então não é empreendedorismo. É enchimento de ego, isso não vem nem ao caso.
– “The default state of a startup is failure” [1]
A ciência usa essa abordagem pq é uma das técnicas que provar algo, não é única. Por exemplo, se você partir de premissas bem aceitas e já comprovadas, você pode provar algo de maneira positiva, se utilizar apenas passos lógicos, seguindo em cadeia.
Tentar desprovar diretamente não funciona em startup, então é por isso que não é utilizado. E não porque todas as pessoas ultimamente não estão usando algum tipo de método válido e protegendo seus egos. Iterar a partir do erro, buscando um mercado que valide sua ideia é a maneira de fazer o negócio dar certo.
Oi Paulo, interessante.
A abordagem que você menciona é a do livro “Lean Startup” do Eric Ries, que achei bem interessante e válida. Porém o problema não é este.
O grande problema que vejo hoje é que a maior parte das idéias oferecidas são aceitas de cara para alimentar o mercado que se criou em torno das startups e com isto, consequentemente, o que vemos é a quebra do próprio mercado.
Na prática, a invalidação por avaliação por método científico funciona também. É ela que propicia a dialética que leva ao consenso e a um conceito melhor fundamentado. A abordagem pode ser empírica (como a da aceitação do mercado que você menciona) ou não. No fundo, acaba caindo no método científico de novo.
Boa discussão… a maioria dos empreendedores mirins quebram e por isso a estatística de que você só consegue se dar bem depois de alguns fracassos só aumenta. É por isso que quando vejo uma empresa (startap) dando certo fico feliz e pensando o quanto os empreendedores ralaram pra chegarem até ali. Parece fácil, do dia pra noite, mas vai encarrar pra ver né? Hoje estou nesse processo. Feliz por saber que essa é a hora certa e seguro por ter vários anos de experiência pra colocar em prática e não deixar a bola cair nos momentos difíceis.
Parabéns pelo post. As empresas precisam de melhores profissionais e de menos empreededores por enquanto.
Oi Wagner, que bom que gostou, valeu!
“As empresas precisam de melhores profissionais e de menos empreededores por enquanto.”
Assino embaixo!
É assustadora a quantidade de aventureiros que não sabem praticamente nada do trabalho que vão oferecer (pelo menos em TI), e mais assustadora ainda a alimentação desse pseudomercado que só vai queimar o filme dos profissionais, gerar alta rotatividade, clientes insatisfeitos e tudo mais.
Cara, esse post me lembrou da época que entrei na área, pelos idos de 2003. Para ser bem sucedido, você tinha que ser PJ e nunca aceitar trabalhos como CLT. Se aceitasse algo CLT, você era considerado “acomodado”.
Na época, os empregos PJ eram em maior quantidade do que os CLT, creio. Mesmo assim dá pra fazer um paralelo com o assunto do post.
Hoje em dia, acredito que a preferência por alguma forma de contratação é algo muito pessoal. Aceitar uma delas pode ser bom pra mim, mas péssimo para outra pessoa. E que o importante é trocar experiências antes de pender para um lado ou para o outro.
Como sempre, excelente post Kico! Grande abraço!
Oi Rodrigo, valeu.
Cara… bem lembrado. Também sou desta época: e eu me lembro de ter um pensamento ainda mais cretino neste tempo. O de que trabalhar pros outros era coisa de perdedor. Man… como eu tava errado! :D
Kico, parabéns pelo texto. Você escreve com autoridade e sabe do está falando. Concordo plenamente com você em tudo que você disse. Precisamos ouvir verdades para poder ver o outro lado da coisa. Afinal, fracasso e sucesso são duas faces da mesma moeda. Parabéns pela coragem de ser politicamente incorreto. (rsss…). Grande abraço e sucesso no seu empreendimento.
Oi Afonso, obrigado demais!
Ouvir isto vindo de um cliente é particularmente importante pra mim. :)
É isso ae… essa imagem poderia ser adicionado ao final do texto:
http://startupcomedy.tv/post/46431406399/desisti-da-minha-startup-5-desisti-da-minha
:)
He he he! Boa! :D
Excelente artigo. Compartilhei no meu FB. Desejo q tenha sucesso no[s] seu[s] empreendimento. abs
Oi Fernando, obrigado, valeu!
Ótimo post, concordo que se está supervalorizando a profissão de “empreendedor”, eu já tentei tocar uma empresa com um amigo e acabei com uma boa dívida nas costas. Não é simples e não é para todo mundo, tem que ter um certo perfil(coisa que nunca tive) e principalmente a boa ideia.
Mas sempre lembro das palavras de um professor que ministrava a matéria de empreendedorismo na faculdade, que você pode ser empreendedor como funcionário, basta procurar a inovação e novos rumos para a empresa que você trabalha, já que se a empresa crescer naturalmente você poderá crescer com ela. Que empreendedorismo não é sinônimo de abrir uma empresa.
Oi Rodrigo, que bom que gostou, valeu!
Ontem mesmo li sobre startups no blog Harvard Business Review: http://blogs.hbr.org/cs/2013/07/how_startups_overcome_the_capi.html
O que parece é que o pessoal passa a maioria do tempo procurando investidores que apoiem a sua ideia e acabam esquecendo que quem gera capital são os seus clientes, eles que vão validar o seu negócio.
Tem também uma apresentação na InfoQ sobre o dia-a-dia de uma Startup: http://www.infoq.com/br/presentations/dia-a-dia-startup
Alguns pontos interessantes que peguei ali foram:
– Você tem que lembrar que terá que bancar algumas coisas que hoje como funcionário podem passar despercebidas (marketing, compras, contabilidade)
– Você vai trabalhar muito mais, e nem sempre o retorno financeiro vai aparecer
– Você tem que estar aberto a mudanças no foco
“E sabem o que acho mais interessante? As pessoas se esquecem de um fato básico: pra que a empresa tenha sucesso, se você já tem um emprego, ela tem de substituir o que você ganha no seu trabalho atual para que você possa ter dedicação exclusiva.”
Concordo com essa afirmação, até por isso conheço pessoas que fizeram algo em paralelo até ter certeza de que o seu projeto sustentaria essa troca.
Oi Sérgio, interessante este artigo. Valeu pela indicação!
Legal Kiko. Um pouco de bom senso ajuda…
O que serão dos empreendedores se não existirem bons funcionários? Se todo mundo de TI resolver abrir uma empresa na garagem a matemática não fecha.
Eu torço por todos os meus colegas empreendedores, mas as vezes fico triste ao ver alguns que estão insistindo com idéias ruins ou negócios despreparados, perdendo o timing de aprender a trabalhar, como você disse, viver bons e maus empregos como escola, e ninguém tem coragem de falar pro cara para desistir, prq é muito bonito falar “você tem que acreditar!”, entre outras coisas.
Complemento seu texto com duas observações pessoais:
1. Já percebi um fenômeno repetidamente: startups mal gerenciadas que rastejam vivem a oferecer vagas de emprego com salários horríveis e alegam que “tem horário flexível e video-game no escritório”. Fora a velha promessa de “dar 1% das ações da empresa se der certo”. Não caiam nessa cilada gente! Salário não é o mais importante, mas é muito importante. Se valorize! Se for pra ficar lá ganhando mal, vire sócio e arrisque direito. Formalize tudo para não ser passado pra tráz.
2. Conheço muito empreendedor que adora fazer cara de sucesso e distribuir cartões por aí dizendo que co-fundador da empresa X ou Y, mas o cara é um puta irresponsável, só faz cagada na empresa, e quem conserta tudo é um funcionário de ouro que fica logo abaixo dele. Isso quando o cara não é acomodado…. Isso mesmo! Empreendedor também pode ser acomodado. O cara fica ali na zona de conforto vendo o entra e sái do caixa da empresa achando que aquilo vai durar pra sempre, não investe, não inova, até que um dia as coisas começam a ruir e ele tem que mandar todo os funcionários embora, uma puta irresponsabilidade. Se não tem cabeça pra continuar inovando e crescendo, não brinque. Empresa de tecnologia é como uma bicicleta andando: se ela não está indo pra frente ela tomba.
Oi Rafael, excelentes observações.
Resumindo, eu vejo da seguinte maneira: pra comandar *bem* você tem de pelo menos um tempo ter sido comandado também.
Muito bom Kico!!
Que bom que gostou. Obrigado Rafael!
As startups nasceram pra resolver um grande problema Brasileiro a “Falta de empreendedores” e a diminuição do percentual muito grande de empresas que falem no primeiro ano. Sempre tivemos muitos poucos empreendedores e muitas vezes sobram incentivos, bolsas e financiamentos…
Mas olhando agora pelo seu ponto de vista, os verdadeiros empreendedores não precisam de startup… eles desde crianças vendem picolé, revendem as coisas e apostam na figurinha :-)
Os demais que so viam tv e videogame e se contentavam com as mesadas, estes vão cair na ilusão e se ferrar :-)
Cara, gostei do artigo.
Concordo com você. Eu já trabalhei em empresa pequena, média e multinacional. Hoje sou servidor público e tento empreender também. Se vc diz que a galera olha feio pra quem é empregado de alguém, imagine quando eu digo no meio das startups que eu sou servidor público!!! Se os caras tivessem raio laser nos olhos, eu já teria sido cremado rsrsrs.
Esse final de semana mesmo, um colega me disse:”cara, se você não deixa seu emprego para se dedicar à sua startup é porque vc não acredita nela.” Eu falei: como assim, cara!? Eu tenho uma startup, bem “start”, acredito muito nela, mas não tenho certeza (se tivesse certeza, talvez já não fosse mais uma startup). Tá, eu deixo meu bom salário e vou me dedicar à startup integralmente. E quem vai pagar minhas contas? De onde vem a grana pra bancar a própria startup? Eu quero sim um dia deixar a estabilidade de um emprego público e me dedicar à minha empresa, mas não vou fazer só porque quem não deixa seu emprego para se dedicar à empresa é um “medroso covarde” é um “empreendedor galinha” (Veja isso: http://www.guilhermejunqueira.com/tag/empreendedor/), farei isso no momento e do jeito certo.
Apesar de tudo, vamos empreender, com menos aventura e mais razão :-)
Abraço.