Uma proposta para melhorar o mercado de software

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Alguém lembra disto?

Há dois diálogos que escuto constantemente quando o assunto é mercado de desenvolvimento de software. O primeiro se dá entre desenvolvedores ou pessoas que atuem neste mercado como fornecedores:

_ Nossa, eu fico vendo o pessoal das áreas de engenharia e medicina. O sujeito já sai da faculdade com um salário melhor que o nosso.

_ Pois é: eu saio da faculdade e tenho este salário de merda: e pra piorar não vejo como aumentar minha renda.

E por aí vai o bla bla bla todo que muitos de vocês já devem ter ouvido. Do outro lado escuto um diálogo muito interessante e comum por parte dos clientes:

_ Paguei uma fortuna por este sistema e o que tenho é esta merda.

_ Faz o seguinte então: no seu próximo fornecedor, visto que são todos iguais, ao invés de pagar uma fortuna, pegue um mais barato e fique em cima dele.

_ Pois é: mas o problema é que não entendo porra nenhuma sobre este negócio de desenvolvimento de software.

A pergunta que fica é: por que os fornecedores reclamam do baixo valor que recebem e os clientes da má qualidade do que obtém? Penso bastante a respeito e cheguei a uma idéia. Sinceramente não sei se é realmente boa mas acredito que se servir para ao menos discutirmos um pouco o assunto já terá valido à pena.

Não é regulamentar a profissão de desenvolvedor mas sim auxiliar o consumidor

Concordo com o Vinícius Godoy no que diz respeito à regulamentação da profissão do desenvolvedor (ele tem um excelente texto que pode ser lido aqui). Acredito ser esta desnecessária e nociva para o mercado. Não é regulamentar que deve imperar, mas sim o prosperar através da qualidade.

Do nosso lado, fornecedores de software, há algumas instituições interessantes como, por exemplo, a Fumsoft e a Softex que tem por objetivo fomentar o mercado através das suas iniciativas. O problema que vejo neste tipo de entidade é que seus departamentos de comunicação são péssimos. Prova disto é que pouquíssimos de nós de fato sabemos o que estas organizações fazem. Ainda pior: os consumidores não sabem de sua existência na esmagadora maioria das vezes. A impressão que fica (e não é só minha) é que são instituições voltadas do fornecedor para o fornecedor.

Não vejo nada de errado (tirando o péssimo departamento de comunicação) com estas instituições. Precisamos deste tipo de entidade.  Agora, sabe do que eu realmente sinto falta? De algo que tenha como foco o consumidor final não técnico.

O que sinto falta

Sinto falta de força em um nicho de mercado que não se preocupasse em regulamentar como fazemos software ou processos, mas que instruísse o cliente no processo de contratação do serviço de desenvolvimento de forma ativa do início ao fim. Um processo como MPS.br nos promete que temos um projeto mais previsível e que teríamos melhor qualidade dado que o fornecedor seria mais organizado internamente. No entanto de nada adianta eu ter um fornecedor organizado e brilhante se eu, enquanto cliente, simplesmente não sei lidar com este fornecedor.

Acredito que exista um nicho de mercado para os consultores que auxiliem o consumidor no processo de compra de software. Ele não verificaria o processo interno do fornecedor (temos o MPS.br para isto), mas sim ajudaria o cliente a fazer as perguntas corretas. Eis alguns exemplos:

_ Você nos apresentou sua arquitetura para um sistema de comércio eletrônico, mas não ficou claro como está sendo tratada a segurança da informação. Poderia nos clarificar isto?

_ Meu cliente precisa de um sistema de tempo real do tipo hard. Vejo que este sistema foi projetado para ser executado em uma plataforma de código gerenciado (Java ou .net). Como você garante que este requisito será satisfeito?

_ Poderia nos descrever como garantir a inviolabilidade dos dados deste sistema de controle de ponto?

Dado que uma organização governamental ou autarquia sempre é centralizadora, acredito que o ideal seria a presença de diversas empresas independentes (ou consultores) que oferecessem este serviço. Seria um mediador entre o cliente e o fornecedor, o que pode ser complicado, mas por outro lado seria também alguém que ajudaria o cliente a tomar decisões mais assertivas e com isto evitaria uma boa quantidade de retrabalho por parte da equipe de desenvolvimento também.

Claro: para clientes que já possuem know how na contratação de serviços de desenvolvimento este tipo de serviço homologador seria desnecessário, mas acredito que para setores públicos sua presença seria particularmente interessante. Bem sabemos que o processo licitatório pode não ser tão justo quanto nos dizem. Ao menos tornaria mais difícil burlá-lo. Fato é que muitas vezes (na maior parte) o cliente não sabe o que quer.

Este consultor não seria um pitaqueiro metido a besta, mas sim alguém qualificado para tal e que não fosse o defensor cego do cliente, mas aquele que também ajudasse o fornecedor. Alguns poderiam dizer: “ah, é o analista de requisitos!”. O problema é que o analista de requisitos está do lado fornecedor, e não entre os dois, portanto não seria confiável para esta tarefa. É como aquele nosso amigo que entende de carros e nos acompanha na primeira compra.

Como meu salário aumenta nesta história?

Simples: a partir do momento em que o mercado se policia (e não uma entidade policia o mercado), a pressão por qualidade aumenta. Se esta aumenta, você precisa se qualificar melhor e, consequentemente, seu valor aumenta.

Será que no caso da Medicina e Engenharia o que realmente garante bons salários é a presença de um CREA ou CRM? Ou será que não é o fato dos consumidores destes serviços possuírem a consciência de que são atividades que envolvem extremo risco?

E aí eu pergunto: será que não é hora de abandonarmos esta irresponsabilidade do mercado de software que não expõe ao consumidor final os riscos envolvidos na falha de um sistema? Um controle de estoque defeituoso pode quebrar o seu negócio (já vi um empreendimento bilionário quebrar assim).

A falta de responsabilidade do nosso setor, acredito eu, é diretamente responsável pelo tal “baixo valor pago aos profissionais”. Mudando esta impressão com certeza o valor sobe. Você se sentiria seguro sabendo que seu avião é pilotado por alguém mal pago? Se sente seguro sabendo que o software que controla sua firma é feito por alguém ainda mais mal pago?

E você? O que acha?

Como disse no início deste post, não tenho certeza se esta é uma idéia tão boa assim, mas dado que tenho me entretido com esta nos últimos meses, achei que seria interessante saber da opinião de vocês.

7 comentários em “Uma proposta para melhorar o mercado de software”

  1. Interessante a ideia, mas gostaria de fazer algumas observações.

    O que sempre vejo é o funcionário do fornecedor reclamando do que ganha, o fornecedor em si normalmente enche os bolsos. Já o cliente quase sempre se ferra mesmo.

    Em relação à Fumsoft e Softex, o foco delas é o fornecedor, não os funcionários do fornecedor, aqueles que são quem de fato põem a mão na massa, e de cuja qualificação e experiência depende a qualidade do que é entregue ao cliente.

    Quanto à regulamentação, lembro de ter conversado sobre isso, ainda em 2007, com o Roberto Bigonha, que é um dos que encabeçam a proposta na SBC, e a ideia seria ter um Conselho de Auto-Regulação, que desse diretivas para serem usadas como referência por quem contrata, por quem se lança no mercado, por fornecedores e por clientes. Não seria criar um Concelho Normativo com poder de decidir quem pode ou não trabalhar na área, como um CREA ou um CRM.

    O que mais acontece é termos grupos de programadores se digladiando virtualmente sobre o assunto regulamentação da profissão se baseando apenas em suposições, sem ter antes nenhum contato com o projeto para entender do que se trata.

    Você pode ver o projeto de lei, que se arrasta desde 2003, em http://homepages.dcc.ufmg.br/~bigonha/Sbc/pl1561.html.

    Voltando à sua proposta, também identifico um excelente nicho de mercado ai. Me atrevo até a lançar um nome para essa nova profissão: “Corretor de Software”. O que acha?

    No entanto, a qualidade de quem fornece software no Brasil, de modo geral, é tão ruim que um cara nessa profissão ia acabar tendo que trabalhar com meia duzia de empresas apenas. A maioria só vende gato por lebre mesmo.

    1. Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Opa, sabe um nome que acho interessante: concierge ou conselheiro, que é bem o que precisamos.

  2. Carlos Corrêa

    Muito interessante esse tema!

    Eu sou favorável a regulamentação da profissão, visto que em teoria, seria uma forma de garantir que aquele profissional foi submetido a uma carga horária com as “devidas” instruções (vamos considerar que o ensino superior tenha qualidade de conteúdo) e não é aquele sobrinho maroto que sabe fazer sistemas copy/paste.

    Voltando ao tema, a pergunta que deixo é: Será que as empresas que estão buscando software, seriam maduras o suficiente para incorporar os custos de um “Corretor de Software”?

    Na minha opinião, as empresas veem a aquisição de software como um investimento único, e quando ele é baixo no inicio, melhor ainda. Já que poderão usar o “budget” para outros fins. Então, a médio prazo (as vezes curto) começam aparecer os custos de uma péssima escolha.

    Grande abraço,

    1. Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Oi Carlos, na minha opinião o amadurecimento do cliente tem de partir de nós.
      E é justamente por não ter este amadurecimento que acredito haver espaço para a figura do consultor

  3. Olá, sou novo por aqui e um tanto quanto leigo no assunto de software, podem se perguntar o que faço aqui, curiosidade e vontade de aprender, Sou administrador de formação e comprador de profissão. Gostaria de deixar uma opinião sobre esse “intermediário” (esse seria o termo que o mercado daria a alguem assim), para uma empresa ter alguem que conseguisse entender o que de fato ela precisa e mostrar ao fornecedor o que realmente ela quer, seria excelente, mas isso envolve um custos que a “maioria” das empresas não tem condições de pagar, como foi comentado pelo Carlos. Isso pelo fato do software ter um custo que um empreendedor hoje geralmente nao coloca no seu plano de negocios e ter um custo a mais esta fora de cogitação. Talvez fosse o caso do proprio fornecedor incorporar este serviço como opção ao cliente e repassar os custos, como seria um funcionário do fornecedor poderia ser melhor que um consultor avulso. Ou uma outra ideia seria ter um orgão ou instituição que fornecesse este intermediario, mas com custos “dividos” para fornecedor e cliente, pode parecer absurdo a ideia, mas isso da credibilidade ao fornecedor e confiança ao cliente, não precisa ser um custo diretamente divido, poderia ter algum outro tipo de “costura” financeira para que ambos tenham vantagem, para quem compra e para quem vende, para quem tem a parte tecnica como visão fica claro o que tem que ser feito, mas para que não tem fica dificil saber o que pedir, digo isso, pois onde trabalho tem 2 anos que implantamos um grande sistema integrado, onde a implantação foi confusa no inicio e corrida no final, o resultado estamos a 2 anos descobrindo que podemos ter relatorios que sempre sonhamos desde o inicio e só hoje sabemos que é possivel. A customização do sistema sai muito cara e poderia ter sido evitada se no inicio tivessemos esses “consultores”, mas tenho certeza que a empresa naquele momento de implatação não pagaria pelo serviço. Finalizando a ideia é otima e ajudaria, mas é preciso uma outra composição para oferecer o serviço, seria interessante ter um orgão com profissionais reconhecidos para dar esse apoio e talvez esse custo entrar de alguma forma no mercado. Minha opinião como leigo no assunto. Abraços!!

    1. Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Oi Rafael,

      o problema no caso que você citou requer é um analista de implantação ou requisitos. Ele é que te auxilia no processo de implantação de um ERP.

      No caso do consultor vir do próprio fornecedor, é complicado, pois não te daria total credibilidade. O ideal é alguém de fora que vai te dar uma visão diferente do processo e, com isto, melhorar a implantação para ambos os lados identificando questões importantes que muitas vezes deixam pasar de lado.

      Por outro lado, uma instituição que regularize é algo ruim também. Isto por que limitaria as escolhas técnicas, formaria cartel, e uma série de outros problemas que danificariam o mercado. Por isto que eu proponho diversos consultores *independentes*, de empresas pequenas mesmo que surjam nestes momentos.

      Com relação ao custo, é questão de saber montar o preço. Não cheguei a pensar neste ponto, mas seria necessário um bom plano de negócios que tornasse a coisa mais fácil. Acredito que não seria algo tão caro assim: claro, teria do mais barato ao mais caro graças ao mercado que ser criaria.

      Mas é fundamental este seu comentário, pois é justamente a opinião de quem interessa: do consumidor final. Gostei muito dos seus pontos.

  4. Everton Sales

    Pessoalmente acho que ter uma entidade com pessoas trabalhando diariamente para melhorar a profissão é otimo, pois não temos tempo para isso. Veja a conquista dos arquitetos, agora se você for reformar seu apto. terá que contratar uma consultoria…
    Afinal também não somos Arquitetos de software ? ou Engenheiros de computação ?
    Voltando ao assunto, creio que uma empresa pode contratar um analista consultor, este projetar o software e acompanhar o desenvolvimento com os programadores do quadro da empresa até a fase de testes… Neste cenário o mercado ganharia um consultor, mas o mercado perderia um Analista empregado… a vantagem deste modelo para o empregador seria o não pagamento de encargos e do consultor um honorário mais valorizado…

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