Alguns dias atrás topei com um post na revista Época Negócios que foi um choque. Por favor, antes de ler este post sugiro que você também o leia: toma o link. Terminou de ler? Ok: aqui vai minha opinião. Um dos artigos mais irresponsáveis, falaciosos, vazios e perigosos que já li nos últimos anos.
A idéia básica por trás do artigo é a de que um chefe ruim pode ser excelente para você profissionalmente por que assim você se adapta a ele e cresce com a experiência. Em um primeiro momento soa linda a proposta, não é mesmo? Só que não.
O que é um chefe ruim?
O primeiro problema com este artigo é que ele não diz o que é um chefe ruim. Levando em consideração que seu chefe é o cara que coordena seu trabalho visando um objetivo para a empresa, o bom chefe atinge o objetivo, não gera perdas para a empresa e de preferência ainda consegue agregar a esta.
E um chefe ruim? É aquele que ou não consegue atingir os objetivos traçados ou trás prejuízo para a empresa. Lembrando que um dos piores prejuízos que pode existir é a perda da equipe. Esta é uma definição mínima que infelizmente não aparece no nefasto artigo.
Aí em seguida vêm alguns pontos do artigo que vou criticar logo abaixo.
Um líder que aponta suas falhas de maneira direta e até grosseira obriga você a encarar seus pontos negativos. (citação direta)
Há diferentes maneiras de se fazer a coisa. Uma coisa é você apontar a falha de alguém de modo a mostrar um caminho de melhoria e outra completamente diferente ocorre quando é feita de forma grosseira. Parece que a autora do artigo se esqueceu do fato de que existem pessoas tímidas e introvertidas em toda equipe, e que muitas vezes ao passarem por este tipo de situação simplesmente quebram. Aliás, parece que também nunca ouviu falar que este tipo de situação é a porta de entrada do assédio moral. Interessante notar que atualmente nem animais são tratados com grosseria.
Perceber o que certas atitudes causam nos outros é uma dica para quem pretende ser líder um dia. (citação direta)
Basicamente o que está sendo dito é que se você quer ser um bom líder, observando como um “lider” ruim atua você aprende pelo contra-exemplo. Olha: um dos principais problemas do assédio moral é que as pessoas temem se levantar contra o agressor em defesa do agredido. Interessante observar que no texto que estou criticando a autora incentiva este comportamento também. Agora reparem na monstruosidade disfarçada de auto ajuda que vou citar a seguir:
O gestor que não facilita a vida dos profissionais – e às vezes até dificulta – exige que eles saiam da zona de conforto. “É na dificuldade que a pessoa cresce”, diz Fátima. “Quem aprende a trabalhar com pouco recurso, sem apoio, começa a se virar.” (citação direta)
Sabem qual a primeira característica do assédio moral? Precarizar as condições de trabalho do funcionário de forma intencional. O gestor que dificulta a sua vida não está te ajudando a crescer, ele está impossibilitando seu trabalho. Sim: é na dificuldade que a pessoa cresce, entretanto para que surja o crescimento é fundamental que existam condições mínimas que o possibilitem. Mas até que não é tudo perdido: há 1% do artigo que eu realmente concordo:
o que o profissional vê como negativo no chefe é apenas uma característica diferente da sua (citação direta)
Fato: entra a questão da auto crítica, que tanto falta, por exemplo, na área de desenvolvimento de sistemas. Infelizmente o artigo termina com um ponto sobre auto confiança em que mais bobagens são jogadas na cara do leitor.
Não precisar de elogios para saber-se competente pode economizar frustrações e sofrimentos. (citação direta)
Há tanta coisa errada nesta frase que daria um outro post. Vamos começar com a mais simples: você só sabe se está desenvolvendo um bom trabalho a partir do feedback que recebe. Uma coisa é um tapinha nas costas, outra completamente diferente é um feedback, que não precisa ser um “muito bem”, mas no mínimo um “está correto”. E outra: incentivos são essenciais para que a coisa funcione.
A mensagem perdida
É interessante como um texto mal escrito perde excelentes oportunidades de passar algo positivo. Acredito que talvez o que a autora quis passar com o artigo é que devemos saber ouvir a opinião alheia. Isto até fica claro nesta citação:
É importante absorver sempre o que há de construtivo em uma opinião alheia, mas sem tomá-la como verdade absoluta. (citação direta)
Infelizmente o que temos é uma acidental justificativa da incompetência.
Por que o artigo é perigoso e irresponsável
A partir do momento em que um artigo que basicamente diz que “um chefe ruim é bom” é publicado em uma revista online de alta divulgação como a Época temos aqui uma justificativa para qualquer incompetência gerencial. O assediador adquire uma camuflagem de professor. Assediadores não ensinam coisa alguma: apenas destroem a auto estima dos funcionários, suas carreiras e nos piores casos suas vidas pessoais.
Por que o artigo é vazio
Dizer que você sempre tira proveito das situações negativas é o mesmo que nada dizer. Ouvi outro dia o argumento a favor do artigo de que “a pessoa tem de saber tirar proveito das adversidades”. Verdade, mas esta é uma característica básica de qualquer ser vivo.
Se sou mordido por um cachorro e ferro com isto minha mão o que ganho com a experiência é aprender a evitá-lo quando sair à rua. Se sou gerido por um chefe ruim o máximo que posso ganhar com isto é no futuro não trabalhar mais para este cara, seja por que fui demitido ou por que pedi demissão ou mudei de área na empresa. Não há ganho nisto.
Levando este argumento ao extremo (o de que você sempre tira proveito da adversidade), ser assaltado é ótimo, pois assim eu aprendo a ficar mais esperto.
Ter um chefe ruim é bom então?
Termino o post citando o início do artigo: tire suas próprias conclusões.
O chefe é a pessoa mais importante na sua relação com a empresa. Para começar, porque ele tem o poder de demitir ou promover, dar tarefas enfadonhas ou desafios estimulantes, ajudar no seu sucesso ou criar obstáculos para o seu crescimento. (citação direta)
Deixe uma resposta