“Windows 2008 Server está fabuloso! Está igualzinho o Linux!” (ou por que software livre importa)

Recentemente ouvi a pérola que dá o título deste post de um colega que, após sair de uma demonstração de produtos Microsoft, ficou fascinado com a modularidade do novo sistema operacional, cuja interface gráfica agora pode ou não ser instalada. Por trás desta ingenuidade, no entanto, esconde-se uma realidade assustadora.

(é um bom exemplo de pateticidade, ou seja, a aparência comica que disfarça uma realidade infeliz)

Minha resposta foi óbvia: “hmm… entendi. Então você vai abandonar toda a liberdade que o software livre te dá em troca de algo que imita o que você já possui e ainda pagar para obter esta perda! Você é um ‘gênio’! ” A pessoa ficou meio atordoada com a resposta (provavelmente me considerou um xiita ou simplesmente um esnobe), o que é normal quando vemos o objeto de nossa ilusão desfazer-se diante de nossos olhos.

Mais uma vez, o problema do determinismo linguistico se aplica. Como a maior parte de nós em nossa formação basicamente só vimos produtos Microsoft, tudo aquilo que é diferente desta nos parece ameaçador. Como de uns anos pra cá a baixa qualidade dos produtos desta se mostrou evidente (o crescimento do Linux e da Apple expõe isto de forma gritante), muitos se sentem aliviados ao ver que os produtos da Microsoft estão “iguaizinhos os softwares livres”. 

O ponto óbvio é: tudo isto que hoje é visto como “fabuloso”, “inovador” e “criativo” já existe há décadas FORA da plataforma Microsoft. Não se trata de uma novidade em si, mas sim de uma novidade nos produtos Microsoft. Como a maior parte dos profissionais da área só conhecem produtos desta empresa, acaba-se por criar a ilusão de que, de fato, são novidades absolutas. 

(mais uma vez o mito da caverna se apresenta)

Observe que normalmente só vemos dois polos: Microsoft e Linux. Muitos vão para o Linux simplesmente por causa do custo. Linux é visto como algo cuja única vantagem consiste no preço. O fato de possuir uma qualidade superior nem é levado em consideração nestes casos. O importante é apenas reduzir o custo. E com isto se esquece o que de fato vêm a ser o software livre. 

Só pra lembrar, um software é considerado livre se fornece quatro liberdades ao usuário:

 

  • Liberdade de usar o software como, onde e quando quiser
  • Liberdade de acesso ao código fonte do software, assim como de alterá-lo.
  • Liberdade de distribuir o software
  • Liberdade de distribuir a sua versão modificada do software

 

Uma vez compreendidas estas liberdades (o que farei aqui), fica nítido que voltar a usar software proprietário é no mínimo retrocesso. 

Liberdade de uso do software: este é a liberdade mais óbvia. O usuário deve poder usar o software onde e como e quando quiser. Parece estranho pensar nisto em um primeiro momento. Afinal de contas, quando compro por exemplo uma licença do Office, eu o uso como, quando e onde quiser, certo? Errado. Leia sua licença. 

LIberdade de acesso ao código fonte, assim como de alterá-lo. A primeira vista, esta liberdade pode até parecer descartável. Afinal de contas, somente programadores irão compreender o que significa aquele “monte de texto maluco”, correto? Errado. Possuir acesso ao código fonte implica em saber o que de fato o software faz, como funciona e se está de fato trabalhando corretamente. Você pode até mesmo não entender nada de programação. Mas o fato de existirem pessoas que saibam, e que auditam este código continuamente fornece uma segurança muito maior ao usuário.

E por que alterá-lo? Simples: se o software faz quase o que você precisa, ele não faz o que você precisa. Neste caso, o que você faz? Espera indefinidamente por uma versão que faça o que você precisa? 

Liberdade de distribuir o software: os usuários de software proprietário podem até não perceber, mas encontram-se divididos. Divididos porque não podem compartilhar as ferramentas que utilizam. Se um usuário pode redistribuir o software que recebeu, ele e aqueles que o receberem na realidade se unem. Todos irão falar o mesmo idioma. 

Liberdade de distribuir versões modificadas do software: se sua modificação solucionou seu problema ou resolveu um defeito do software em questão, nada mais natural do que passá-la pra frente. É neste ponto que o software livre apresenta sua qualidade superior. 

Um software proprietário ao qual você possua acesso ao código fonte não lhe permite alterar seu código. E mesmo que permita, não lhe permite distribuir suas modificações. Afinal de contas, é proprietário. Se você soluciona um bug neste tipo de software, o máximo que poderá fazer consiste em enviar sua sugestão de reparo a seu fabricante e este, talvez, a incorpore em uma nova versão. No caso do software livre, o reparo é imediato. Encontrou um bug? Envie-o para a comunidade. Esta não aceitou sua solução? Sem problema: publique a sua versão modificada em seu site. 

Outra vantagem: se você possui a liberdade de distribuir versões modificadas do software, você é um fornecedor também. Consequentemente, a partir desta liberdade, torna-se impossível que o software em questão possua um único fornecedor. É o fim do vendor lock in!

Após entender o porquê das quatro liberdades, fica nítido que voltar ao modelo proprietário é retrocesso (retrocesso é minha maneira educada de dizer burrice). Infelizmente, a maior parte dos “profissionais” de nossa área que usam software livre sequer leram alguma vez a GPL ou qualquer licença. Software livre para estas pessoas equivale a software gratuito. E gratuito é diferente de livre. E por ignorância, veremos diversos casos de retrocesso rolando por ai.

Não se trata aqui de benevolência ou trabalho comunitário. Longe disto! Trata-se de um modelo justo visando o benefício do usuário (que é quem realmente interessa no final das contas) e, ao mesmo tempo, evita que o desenvolvimento da tecnologia seja definido por um número pequeno de fornecedores. Há um interesse economico FORTE por trás do software livre. Convenhamos: o modelo proprietário já expos que não aceita a proliferação de concorrentes (atualmente os fabricantes de software de peso consistem apenas em Microsoft, Apple, Adobe, Sun, Symantec e Oracle. Antes do predomínio da Microsoft, no entanto, haviam BEM mais). 

Aliás, a justificativa que ouvi da mesma pessoa foi: “mas a integração do Windows com os produtos Microsoft já vale a pena”. É… vale “muito” a pena cair DE NOVO no mesmo golpe do fornecedor único “geninho”…

 

 

PS: outro bom argumento que escuto: “produtos proprietários são mais fáceis de usar”. Cara, não são. Na realidade, são tão fáceis de usar quanto os livres. A diferença é que como você só OS conhece, eles na realidade estão ocultando sua incompetência lhe fornecendo a ilusão de poder.


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Comentários

3 respostas para ““Windows 2008 Server está fabuloso! Está igualzinho o Linux!” (ou por que software livre importa)”

  1. Avatar de Pedro Henrique
    Pedro Henrique

    Aqui posso fazer referência ao mesmo determinismo usado nas linguagens de programação, já vi muitas vezes pessoas tentando usar o OpenOffice como se fosse o MS-Office e obviamente falhando, pois não estava usando o MS Word e sim o Writer, ou pessoas que nunca usaram o Linux dizendo que o mesmo é dificil.

    Parabéns pelos posts.

  2. Avatar de Marcelo Mendonça
    Marcelo Mendonça

    Em analogia, poderiamos comparar ao preso que, em cárcere por vários anos adapta-se a vida que leva na prisão como um todo, seu mundo. Ao deixar a cadeia, este vê-se perdido em um mundo desconhecido do qual ele não faz parte e acaba por fazer algo que o leve de volta ao mundo que ele domina, conhece, ou seja, a prisão. Chama-se este processo de institualização.
    Velhos hábitos, bons ou ruins, tendem a permear.

    1. Avatar de admin
      admin

      Yeap, exatamene como o mito da caverna do Platão. Já até escrevi sobre isto aqui. https://devkico.itexto.com.br/?p=273

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