Não me lembro de um ano que tenha me ensinado tanto quanto 2015: realizei meu grande sonho de me dedicar totalmente à itexto (aguardem o post). Mais da metade das coisas que discordava até então se mostraram necessárias (virá um post) e minha visão a respeito do mundo foi impactada de maneiras que eu jamais poderia imaginar.
É curioso olhar pra trás e perceber um paradoxo: foi um ano pobre de leituras. Li muito menos, talvez devido ao fato de finalmente ter publicado meu segundo livro (Falando de Grails), o que é sempre bastante exaustivo para mim. Outra razão foi a itexto: este ano nosso foco foi aprender a como gerir o negócio da melhor maneira possível (e a isto agradeço à Nanna, pra variar), o que demandou boa parte do meu tempo.
Conservadorismo, direita, esquerda, centro… o que sou eu?
Em 2015 ficou claro que eu não sabia o que significava ser de direita ou esquerda. Ainda pior: percebi que termos como “conservadorismo” e “reacionarismo” me incomodavam sem que eu soubesse o que de fato significavam. E o mais interessante: o sentimento positivo que sentia pela “esquerda” também não tinha qualquer fundamento teórico. Como eu podia gostar ou desgostar de algo que não conhecia? Quem sou eu de fato?
Roger Scruton e o conceito de faking (falseamento)
Alguns amigos (Túlio e Cyrio) me indicaram um autor chamado Roger Scruton, que se apresenta como conservador. Curiosamente, não me foi indicado devido a esta minha busca política, mas por meu interesse em estética.
Scruton nos apresenta um conceito que achei fascinante e se aplica perfeitamente à área de TI e desenvolvimento: “faking”. Grosseiramente o descrevendo, é aquela situação que com certeza leitores mais experientes já presenciaram: alguém se apresenta como profundo conhecedor de um assunto sem saber de sua própria ignorância e os demais ao seu redor – honestamente ignorantes sobre o tema – abraçam o indivíduo como uma fonte real de conhecimento (isto me motivou a escrever este post).
O autor trata de artes plásticas, performáticas e arquitetura, mas conforme ia lendo seus artigos sobre o assunto e participando de alguns eventos da nossa área ficou nítido que seu conceito de “faking” se aplica muito bem à nossa realidade (com certeza virá um post sobre isto).
Você pode ouvir o próprio Scruton falando sobre o assunto neste excelente episódio do programa “Point of View” da BBC: Faking it.
Há também um excelente artigo em inglês: “The Great Swindle”
E também há um livro que ainda não li: Beauty
Scruton conseguiu verbalizar uma intuição que tenho há anos.
Scruton conservador
Coincidentemente, no mesmo ano a editora Record publicou uma tradução do livro “How to be a conservative” do Scruton: comprei na hora. Finalmente pude entender o que o conservadorismo realmente significa e, ainda mais importante: identifiquei, chocado, muitos traços conservadores na minha personalidade (será que minha paixão por legados vêm daí?).
Scruton faz uma análise muito profunda do conceito de conservadorismo, mas você deve levar em consideração o fato do livro ser focado no contexto inglês, que é bastante diferente da nossa realidade nacional. Se conseguir levar em consideração este fato e não tomar o livro sem uma boa pitada de sal, com certeza aprenderá bastante com ele.
Finalizada a leitura percebi que tinha uma visão muito preconceituosa a respeito dos conceitos de direita, conservadorismo e reacionarismo. Mais que isto: percebi traços conservadores e mesmo reacionários em mim, o que me leva a assumir isto aqui publicamente sem qualquer vergonha.
Leia o livro antes de me julgar. :)
Bobbio como contraponto
Scruton é tendencioso, então para contra-balançar, que tal ler um autor de esquerda falando sobre direita e esquerda? Reli “Direita e Esquerda” do Norberto Bobbio. O autor busca definir os dois termos no seu livro. Não me impactou tanto quanto a leitura de Scruton por não ser um texto novo para mim: comprei o livro em 2003 e nunca o havia lido com atenção.
É uma excelente leitura: no Brasil é publicado pela editora Unesp. Bobbio explica os conceitos do ponto de vista histórico e ideológico em um texto bem curto.
O que percebi? Que tenho familiaridade com alguns ideais de esquerda e direita. Minha busca pela minha própria definição ficou ainda mais confusa. :)
Leituras técnicas
Um ano de blogs
Finalmente coloquei o /dev/All no ar: um agregador de blogs nacionais sobre desenvolvimento de sistemas, TI e assuntos relacionados. O site cresceu significativamente: conta hoje com bem mais de 100 blogs e já estamos caminhando para os 200.
Li posts excelentes no site e (re)descobri alguns blogs que, acredito, vale muito à pena citar aqui:
- Blog do Rafael Odon – gostei muito do seu texto sobre o ciclo de sabotagem de tecnologias
- Blog da TriadWorks – conteúdo técnico de excelente qualidade. Sou fã!
- Brain dump – de Ricardo Bittencourt. Excelente material sobre computação! Pena que não está escrevendo tanto!
- Caderno do Léo – Leonardo Kenji. Apenas dois posts, mas posts muito impactantes pra mim. De vez em quando o pentelho no Facebook para que escreva mais.
Dado meu tempo reduzido, /dev/All foi vital para que me manter atualizado durante o ano. Estes foram os blogs que mais gostei e que me lembrei enquanto escrevia este post. Tenho certeza de que fui injusto ao não mencionar mais alguns, mas no futuro corrigirei este erro.
Docker e minha volta ao Linux
Foi a tecnologia que me fez voltar ao Linux com força total e a que mais me impressionou nos últimos anos. De repente me vi com uma ferramenta que me permite realizar experimentos de configuração em servidores com uma produtividade que jamais imaginei ser possível.
Docker me deu a desculpa ideal para que eu pudesse finalmente me aprofundar no Linux. Seguem os textos e livros que mais gostei.
Docker
Docker Jumpstart – Foi o texto no qual realmente aprendi a usar o Docker.
Getting Started with Docker – Versão júnior do texto acima. Leia o Jumpstart primeiro, use este como referência
(em breve deve sair um guia da itexto sobre Docker)
Linux
Foi em 2015 que finalmente resolvi criar vergonha na cara e aprender a escrever shell scripts no Linux. Estes textos foram fundamentais:
The Linux Command Line – Um livro gratuito maravilhoso sobre a linha de comandos do Linux. Finalmente aprendi como dominar esta criatura e já escrevo alguns scripts com ela. Foi muito importante para que eu pudesse tirar um proveito ainda maior do Docker.
Conquering the Command Line – outro livro excelente sobre o mesmo assunto. Não tão bom quanto o primeiro, mas bom também. :)
AWK
Das linguagens de programação que vi em 2015 a que mais me impressionou foi AWK. É um monstro que provávelmente está instalado no seu Linux e você nem nota. Escrevi inclusive um post a seu respeito, que você pode acessar neste link.
Posso dizer com segurança que AWK me tornou uma pessoa mais produtiva em 2015. Interessado em conhecer a criatura?
An AWK Primer – Este livro está no Wikibooks e é um bom início.
GAWK: Effective AWK Programming – Trata-se do manual do projeto GNU para a sua implementação do AWK. A leitura é bem tranquila e também me ajudou bastante.
Git
Em 2015 troquei o Mercurial pelo Git. Inicialmente por que todos os nossos clientes preferiam o Git, depois por que comecei a estudar mais a fundo a ferramenta e aprendi diversas coisas interessantes a seu respeito.
Um dos resultados foi o primerio Guia da itexto: Usando o Git. Já estou trabalhando na segunda edição.
E o que mais gostei de ler sobre Git este ano?
Pro Git – Um livro gratuito escrito por Scott Chacon e Ben Straub que irá lhe expor essencialmente tudo o que você precisa (e não) saber a respeito do Git.
JavaScript
Por mais estranho que eu ache as pessoas amarem hoje uma linguagem que era odiada há poucos anos atrás, não pude deixar de me aprofundar um pouco mais no assunto. O que li e gostei?
JavaScript: the Good parts – Finalmente li este livro do Douglas Crackford. Me impressionou? Não, mas é um livro interessante. Gosto muito dos diagramas que ele usou para descrever a linguagem.
AngularJS – Comecei a usar o AngularJS. Após passar por diversos livros e textos horríveis sobre ele, acabei ficando com a documentação oficial mesmo, que foi a melhor coisa que li a respeito.
Dominando JavaScript com jQuery – escrito por Plínio Balduino e publicado pela Casa do Código. É um dos melhores livros sobre JavaScript que conheço (melhor que o do Crackford na minha opinião). Voltei a este material algumas vezes este ano. Ei: é um livro escrito aqui no Brasil com qualidade internacional! Se ainda não leu e quer entender JavaScript, LEIA!
Nota importante: minhas piores leituras
Minhas piores leituras foram relacionadas a JavaScript. Li muito material HORRÍVEL este ano, especialmente o relacionado a NodeJS e AngularJS. Se um dia escrever um texto sobre minhas piores leituras com certeza haverá uma longa seção sobre este conteúdo.
BASIC
Sim, você leu certo: este ano estudei BASIC. Não para usar a linguagem, mas para escrever melhores textos técnicos (e outra razão que exporei abaixo). Por que melhores textos técnicos? Leia minhas sugestões de leitura e você entenderá. ;)
DartMouth Basic Manual – Publicado em 1964. É um dos textos introdutórios sobre programação mais didáticos que já vi. Repare que é uma fotocópia, e com marcações sobre a mesma! Pura simpatia.
Linguagem BASIC – MSX – Pouca gente se lembra do MSX: sou uma delas. E este foi o primeiro livro de programação da minha vida, quando eu tinha algo entre 6 e 7 anos.
10 PRINT CHR$(205.5+RND(1)); : GOTO 10 – E que tal um livro sobre um algoritmo escrito em BASIC que imprime um labirinto? Leitura divertidíssima para aqueles que, como eu, curtem história da computação. Excelente leitura!
O BASIC nos anos 80 era usado como ferramenta educacional para crianças (fui uma destas). Sabe este esforço recente de popularização da programação? O pessoal já fazia isto 30 ou 40 anos atrás (na minha opinião com muito mais competência e, talvez, honestidade).
Houve um curto período de tempo em 2015 no qual iniciei a implementação do meu próprio BASIC para a JVM, mas as motivações para este projeto e o que ocorreu são assunto para um outro post (esta era a segunda razão).
(que se dane o Dijkstra: eu curto BASIC!)
O que lerei em 2016?
Desejo a todos vocês um 2016 como foi meu 2015: rico em aprendizado e experiências que com certeza me tornaram uma pessoa melhor (assim espero!).
Gostaria muito de saber aqui quais foram as melhores leituras de vocês. O que mais gostaram de ler? Feliz ano novo!
Olá, Kico.
Eu vou bancar o arrogante aqui e te indicar a minha leitura preferida nesses assuntos de política, o historiador Bertone Sousa. Eu acho realmente um oásis de esclarecimento nestes tempos em que “esquerda vs. direita” tomou conta das redes sociais. O sujeito é um crítico tanto da esquerda quanto da direita, é mais um “centro”, ao contrário do estereótipo do professor de história comunistão barbudo de camiseta vermelha.
O blog dele é: http://bertonesousa.wordpress.com. Indico porque aprendo muito lá, e nos seus posts ele fala de outros autores importantes para esse assunto (os quais eu mesmo não tenho tempo de procurar, já que estou indo para outras direções…)
Abraço.
Obrigado pela dica Éderson, vou ler!
Muito boa as dicas de leitura! Em especial de Docker – precisa dedicar um tempinho para esse carinha!
Kico, só uma dica: hoje nos teus posts tu usa o ID quando na verdade o ideal é ter URLs amigáveis para ajudar na indexação no Google. Você tem muito material de qualidade e útil para nova geração de devs. Então ajuda teu blog e o Google a divulgar melhor teu material.
Um abraço e obrigado pelo referência do blog da triadworks! Fico muito feliz que um profissional como você curta o blog!
Oi Rafael, obrigado!
Este negócio de trocar o mecanismo de URLs eu já até tentei alguns anos atrás. O problema é que este blog tem oito anos se não me engano, e tem muito post que faz referência às URLs antigas, então acaba que eu quebraria vários posts mudando isto.
No caso do Google, pelas ferramentas de webmaster que eles disponibilizam no site, dá pra ver que estamos bem indexados lá dentro (todos os posts estão na última vez que chequei). O lance da URL amigável, parece, é meio furado. Só serve mesmo, na minha opinião, pra que eu saiba do conteúdo só de bater o olho nela.
Salve!
Tava tudo bonito, bem interessante, até que apareceu um nome terrível: Bobbio :).
Se realmente quer uma visão histórica e profunda, leia quem Bobbio usurpou: Gramsci. Nada de resumos, nada disso! Leia os Cadernos do Cárcere, leia as Cartas do Cárcere (particularmente comoventes), pois ele só pode ser entendido se lido diretamente, sem intermediários.
Cuidado até com as notas de rodapé, pois o maior especialista em Gramsci, aqui no Brasil, é apenas mais um intelectual de esquerda, não é um intelectual revolucionário como foi Gramsci.
Em Gramsci você não encontrará uma resposta pronta. Você será levado a uma profundidade intelectual muito rara. A cada sentença de Gramsci você será levado a questionar-se sobre os mais variados aspectos humanos, nunca será guiado a uma resposta. Sentirá a dor do homem condenado em um tribunal fascista com a seguinte observação: “Devemos impedir esse cérebro de funcionar durante vinte anos”. Gente tola…
E depois de ler Gramsci, você identificará dezenas de impostores pagando de intelectuais, que nada mais fizeram que usurpar e falsificar o legado desse genial pensador.
Ah, BASIC é demais!
Parabéns, abraço!
Oi Paulo Henrique, obrigado pela dica de leitura, valeu!