Eu e seu currículo: como o percebo

Uma das maiores honras da minha vida ocorreu ano passado quando uma imensa quantidade de pessoas se candidatou nos dois processos seletivos da itexto.

Nossa avaliação é composta por três etapas: a primeira é a seleção de currículos, seguida de uma entrevista técnica (que contém uma prova) e uma conversa final na presença de um profissional de RH. Infelizmente nosso tempo para avaliação é limitado, o que nos força a dispensar diversos candidatos na avaliação de currículos, e isto me incomoda bastante pois tenho certeza que perdemos oportunidades de contratação ali, muitas vezes por bobeira (nossa e do currículo).

Dado que nosso terceiro processo seletivo ocorrerá em breve, resolvi escrever este post descrevendo como os interpreto e minhas principais percepções. Vejo muitos posts com dicas do pessoal de RH sobre como escrever um currículo, mas poucos sobre como este documento de fato é manuseado por quem o recebe. Creio que compartilhar minhas percepções será útil para muitas pessoas. Talvez eu mostre algum erro que cometo neste post: sinta-se livre para me enviar suas críticas, pois são todas muito bem vindas.

Objetividade

No nosso segundo processo seletivo recebemos quase oitenta currículos. Além de avaliá-los, também temos de atender nossos clientes, e isto limita ainda mais o tempo. Alguns dos currículos que recebemos são verdadeiros artigos. Acho interessante a pessoa se esforçar em sua auto-descrição, no entanto quando o currículo é longo demais a impressão que tenho é a de que estou lidando com alguém prolixo, o que não é bom.

Se nossa vaga é para desenvolvimento de software, confesso que não me interessa tanto quais são seus hobbies e séries de TV favoritas. Este tipo de informação talvez mostre suas soft skills (falarei mais sobre isto adiante), mas dado que não lidamos com o ramo de entretenimento (ainda), estes dados não agregam.

Outro ponto importante é a atenção ao cargo oferecido. Se é para desenvolvimento e você nos envia seu currículo no qual só há experiências em outras áreas, é altíssima a chance de não te chamarmos para uma conversa. A não ser, é claro, que no texto de apresentação (sempre é útil) você nos diga que está interessado em mudar de área e demonstra real interesse pelo que fazemos e as atividades que esperamos de você aqui.

Não só a área, mas o nível de experiência pedido também deve ser levado em consideração. A vivência descrita no currículo deve estar de acordo com a que expomos na descrição da vaga.

Soft skills

A grosso modo, são suas capacidades não técnicas ou indiretamente relacionadas ao que esperamos na vaga como, por exemplo, facilidade de comunicação e trabalho em equipe. Na minha opinião a mais importante é a capacidade de comunicação, e no caso dos currículos, textos legíveisem bom português demonstram boa parte desta habilidade.

Vou ser curto e grosso: nunca vi alguém escrever em seu currículo algo negativo sobre si mesmo. Ainda não encontrei descrições como “sou preguiçoso”, “odeio gente”,  “curto ser um babaca”, “persigo meus colegas” ou coisa similar.

(a única exceção foi em uma entrevista anos atrás na qual a pessoa disse ser preguiçosa)

Descobrimos estas características do candidato em dois momentos: nas conversas que temos após a análise do currículo ou, no pior dos casos, durante o período de experiência caso seja contratado, ou seja, no texto do currículo estas descrições não agregam.

Experiências

Sempre agregam bastante no currículo quando bem descritas, especialmente quando o candidato nos conta o que costumava fazer nas empresas pelas quais passou e as realizações de que se orgulha.

Alguns currículos contém contatos para referência. Isto é muito útil, pois nos ajuda a validar quem você realmente é e também nos mostra sua segurança a respeito de si mesmo. Não é um ponto obrigatório, mas com certeza agrega bastante (e positivamente).

Qualquer experiência fora do trabalho também é muito bem vista. Exemplo: ter um blog, participar de projetos open source, palestrar, enfim, demonstrar seu interesse na área através de atividades que sejam relacionadas à área de atuação da vaga.

Claro, se for um cargo para alguém em início de carreira, não possuir experiência profissional alguma não desqualificaria o candidato, o que me faz lembrar do…

Meu primeiro mico em uma entrevista de emprego

O primeiro trabalho pago que tive na vida foi como “tomador de conta” do gabinete de um candidato a deputado federal aqui em Minas Gerais. Minhas tarefas envolviam cuidar do gabinete (varrer, manter o lugar limpo, garantir que o banheiro estava usável), receber as pessoas e passar recados. Isto e nada mais. Este trabalho durou uns dois meses.

Veio minha primeira entrevista de emprego e não sabia o que colocar no currículo, pois só tinha esta experiência. Então, escrevi: “Responsável pela administração da qualidade do ambiente do gabinete do deputado federal (ele foi eleito) Fulano de tal“. Que título lindo, pensei, e fui lá fazer minha primeira entrevista de emprego em uma livraria.

O dono da livraria (uma figura simplesmente GENIAL) olhou pra minha cara, começou a gargalhar e soltou o: “Nossa, como você é uma pessoa importante com seus 19 anos hein?”. Fui contratado, mas até hoje sou zoado por isto. Se for iniciante, evite a zoeira, muitas vezes ela pega e dura anos. :)

Exponha seus conhecimentos reais

Uma vez aprovado seu currículo, iremos validar o seu domínio nos conhecimentos citados em nossa avaliação técnica. É fundamental expor aquilo que você já conhece para nos ajudar no processo seletivo, mas igualmente importante nos contar o quanto você domina os assuntos listados.

Este é um ponto bastante delicado: como você pode expor seu domínio sobre um assunto de forma precisa? O ideal é usando alguma referência que não seja si mesmo. Vale aqui as experiências profissionais passsadas, desempenho acadêmico, publicações, blog pessoal e até mesmo pontuação em concursos e sites de desafios de programação. Se você afirma possuir, por exemplo, “sólido conhecimento em X”, de que modo esta base foi construída? “Eu acho que tenho” não é resposta.

Errar algumas questões em uma prova técnica não invalida seu conhecimento. Na realidade, sempre é dado um desconto durante a avaliação da prova, levando-se em consideração a ansiedade natural do candidato. Curiosamente, acertar também não valida o conhecimento tanto quanto se imagina, pois não é raro um acerto por sorte. Na realidade apenas a prática valida.

E justamente por que apenas a prática valida seus conhecimentos é que lhe digo: tentar burlar uma prova ou levar o avaliador na conversa e ser contratado talvez seja a pior experiência pela qual você possa passar.

Formação

Se o cargo exige alguma formação, seu currículo deve estar de acordo com a mesma. É comum incluirmos em nossos currículos certificações e treinamentos. No caso de treinamentos, é muito interessante que também seja exposto seu nível de aproveitamento no que foi ensinado.

Não há problema algum dizer que fez treinamento na tecnologia X mas nunca aplicou aqueles conhecimentos na prática ou mesmo não os assimilou como gostaria. Na realidade, isto é louvável. Quem lê em seu currículo a presença destes cursos supõe que você já domina os assuntos tratados se não fizer nenhuma observação a respeito.

Creio que não seja necessário mencionar aqui que mentir nestes pontos é uma das maiores imbecilidades que alguém pode cometer, certo?

Fontes adicionais

Vejo o currículo como um primeiro contato com o profissional, razão pela qual deve ser o mais objetivo e curto quanto possível. No entanto, fontes adicionais incluídas no texto agregam bastante: LinkedIn, blogs, participação em comunidades, etc.

O LinkedIn possuí, por exemplo, o preenchimento de perfil super completo, o que incluí os projetos em que o indivíduo participou, publicações, indicações e muito mais. Com certeza é a melhor fonte adicional que qualquer um pode incluir em seu currículo (em muitos casos, o vejo como a versão “full” do documento).

No caso de redes sociais, raramente Facebook ou Google+ nos agrega algo (não há nem razão para incluir isto no currículo, a não ser que você mantenha uma comunidade lá ou seja ativo nesta). Em raríssimos casos o Twitter nos agrega.

Depois da contratação

Seu currículo não é esquecido, pois pode será usado em sua avaliação durante o período de experiência. Por isto é tão importante ser o mais objetivo e verdadeiro na escrita deste documento. O currículo é uma proposta de trabalho, do que você está oferecendo: suas habilidades e quem você diz ser.

E aqueles que não foram contratados, mas foram avaliados? Tem seus currículos guardados para o próximo processo seletivo. E são chamados para conversar conforme as oportunidades vão surgindo.

E aqueles que enviaram seus currículos após o processo seletivo? Serão avaliados no próximo.

Concluindo

É importante salientar que, ao menos no meu caso, o currículo não é avaliado só por mim: mais pessoas o lêem, até para que possamos bater nossas percepções e chegar a algum acordo antes de chamar o candidato para uma conversa.

Como disse no início deste post, estas são as percepções que tenho ao avaliar um currículo. Creio que mais empregadores sigam caminhos similares aos que descrevi aqui e com certeza há falhas nesta leitura, razão pela qual gostaria muito de saber a opinião de vocês a respeito.

7 comentários em “Eu e seu currículo: como o percebo”

  1. Leonardo Kenji

    Gostaria de deixar registrado aqui minha antipatia por processos seletivos que envolvem hackathons, provas práticas do tipo “baixe este código do repositório X e implemente tal coisa” e questões acadêmicas sobre algoritmos de ordenacão e etc.

    Eu entendo que é preciso algum critério objetivo, mas eu realmente prefiro uma provinha por escrito curta e sucinta.

    1. As hackatons hoje infelizmente não passam de “pega trouxas/bobos” pois a maioria dos que participam e acabam contratados são jovens em início de carreira, que por não terem experiência caem muitas vezes nesse “conto do vigário”, aceitando receber pouco em troca de alguns ” mimos” sem relevância que a empresa oferece.
      Com relação a provas práticas eu sou a favor pois demonstra que o cara sabe se virar e construir algo real…mas claro…depende da prova prática. Certa vez eu participei de um processo em que fiquei 3 dias fazendo um projeto pra no final das contas eles simplesmente dizerem que não iriam continuar o processo comigo. Simples assim..seco sem vaselina…
      Esses testes acadêmicos de algoritmos de ordenação, tipo topcoder, hackerrank etc eu não sou muito a favor. Certa vez participei de um processo em que me enviaram um teste desse tipo. O teste era para implementar em 30 minutos uma árvore binária na mão, c características X, Y e Z…fala sério….

  2. Kico, vc não acha válido a pessoa informar o github e vc poder ver o que ela gosta de brincar, como codifica etc e tal. Não sei se o tempo para contratação permite essa avaliação, mas acho que pode agregar.

    1. Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Oi Bruno, isto agrega pra daná: sempre é visto com muito bons olhos.

      Inclusive, em participação de comunidades mesmo: fóruns, etc, você consegue avaliar muito bem o real interesse da pessoa pela vaga.

      Na nossa área o mais importante é o interesse. Tendo interesse real, 80% do caminho tá feito, na minha opinião.

    2. Um ponto que considero bastante delicado dentro desse tema:

      Muito se tem falado sobre avaliar candidatos pelo github, pelo blog, pelos projetos opensource, por citar no currículo as tecnologias mais recentes, etc.

      Ok, isso define bem um perfil de desenvolvedor mais “descolado”, é a pessoa que tem afinidade com inovação, tecnologia de ponta, participação em comunidade. Esse perfil é muito importante principalmente em empresas que estão alinhadas com esses valores.

      Mas e quando estamos falando sobre os programadores que atuam “nas trincheiras”? O cara pode ser muito bom, ter facilidade para entender o negócio, pegar legados monstruosos e se tornar produtivo rapidamente (e ainda fazendo melhorias), lidar bem com equipe e clientes, etc etc. Conheço várias pessoas desse tipo. Mas veja, eles passam a vida escrevendo código corporativo fechado, e por um motivo ou outro não possuem projetos relevantes fora do trabalho. Geralmente têm curiosidade sobre as tecnologias mais novas e dão umas fuçadas em N coisas diferentes, mas não chegam a se especializar a ponto de colocar no currículo.

      [[[!– Aliás, enquanto escrevia essa resposta lembrei que o Kiko já tem um artigo relacionado a isso, “o programador invisível” –]]]

      O que me gera duas perguntas:

      1) Não estamos criando uma “ditadura da beleza” (para usar um termo da moda :-D ) entre desenvolvedores, dando preferência ao primeiro tipo em vagas que precisariam do segundo, ou mesmo forçando todo mundo a se vender como se fosse do primeiro tipo?

      2) Como avaliar corretamente candidatos do segundo tipo, separando aqueles que realmente são ótimos desenvolvedores (pessoal esquece que empresas tradicionais também precisam de ótimos desenvolvedores…) daqueles que são apenas os típicos programadores enterprise acomodados ?

      1. Kico (Henrique Lobo Weissmann)

        Oi Rodrigo, este é um belissimo ponto pra se mencionar.

        No nosso caso, o “programador das trincheiras”, como você menciona, é justamente o sujeito que procuramos, pois normalmente é uma pessoa menos tendenciosa no uso das tecnologias e possuí uma vivência prática, na minha opinião, das mais ricas.

        É por isto que disse que LinkedIn, GitHub, etc, são informações adicionais, e não principais.

        Este “programador das trincheiras” é o que chamo de “Programador invisível”: https://devkico.itexto.com.br/?p=1799

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