Meu problema com a infantilização

Tratar adultos como crianças, especialmente desenvolvedores, sempre me irritou. Algum tempo atrás inclusive escrevi sobre isto aqui no blog. O foco da minha opinião é o desperdício de algo fundamental: o processo de amadurecimento.

Vejo de forma muito clara este processo infantilizador se manifestando em vagas de emprego que buscam “padawans”, “jedis”, “super-heróis”, “rockstars” (vergonha alheia infinita). Isto sem mencionar grande parte da cultura “geek” que, devo confessar, não raro vejo carregada de fortíssimo caráter infantilizador. Isto sem mencionar “apresentadores” e “palestrantes” que se vestem como crianças. Nossa, quanta vergonha alheia!

Mas o que é amadurecer?

Para mim envolve a expansão intelectual. Vou partir de um exemplo banal. Ao encontrar alguém usando um chapéu de Mario e lhe pergunto por que o está usando. Normalmente a resposta é um “por que é legal”.

Por que o chapéu?  Por que é legal!
Por que o chapéu?
Por que é legal!

Esta é uma resposta válida, mas se forçar a barra e perguntar “por que é legal?”, não raro o indivíduo infantilizado não vai saber responder. Resumindo: a futilidade (um aspecto infantil resultante de uma percepção limitada) está se manifestando. Lhe interessa o ato de fazer graça. Então, como seria uma resposta adulta?

(já se perguntou por que, na sociedade ocidental na qual o riso é visto com desprezo, de repente ser uma pessoa “divertida e engraçada” passa a ser visto como algo super positivo? Dica de leitura)

“O que envolve o conceito do Mario é interessante e me agrada”. Me lembro quando era pré-adolescente e vi o Mario Bros pela primeira vez. Algo completamente diferente de todos os jogos que havia jogado até aquele momento: o cenário era muito rico e toda a mecânica era algo revolucionário para nós.

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O que me impressionava era o puramente sensório: a experiência de controlar o Mario e todas aqueles elementos secretos no jogo eram algo fascinante para alguém com 12, 13 anos (muitas cores e surpresas, além de uma música top). A coisa ficou realmente interessante quando notei uma similaridade naquele jogo com algo que já conhecia.

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Aquela história do Mario comer um cogumelo e de repente crescer. Já havia visto isto em algum lugar: em Alice no País das Maravilhas, mas ao contrário. Ela encolhia.

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Caramba! E de repente, observando as ilustrações do livro de Lewis Carroll, conseguia ver no cenário que se movia do Mario elementos daquela história (Mario era um ser diminuto entre cogumelos?). Isto ampliou meus horizontes  e me fez começar a questionar outras coisas: quem criou o Mario? Foi a Nintendo. Mas quem dentro da Nintendo teve esta ideia? Foi o Myiamoto. Quem é ele? O que inspirou este sujeito?

Mario -> Alice no País das Maravilhas -> Nintendo -> Miyamoto -> Lewis Carroll -> Problemas lógicos -> Matemática

A rede cultural se expande: vejo mais pontos e ligações entre eles. Questiono estes relacionamentos e busco confirmações a seu respeito. Resumindo: saio de algo simples e  fútil:  termino em um universo totalmente novo que não para de se expandir conforme interajo com ele.

A pergunta “por que você usa este chapéu de Mario?” adquiriu profundidade. E neste processo de amadurecimento noto que até minha capacidade em aceitar críticas foi ampliada: ao ver um número maior de possibilidades no mundo, são grandes as chances de eu realmente estar errado e existirem alternativas muito superiores. Resumindo: eu venço outra barreira infantil que é a do solipsismo. Estou em um mundo rico com o qual interajo.

Amadurecer é bom e a vida adulta é maravilhosa. O adulto tende a ser sábio, ao contrário da criança. Então, o que ganho ao infantilizar? Para responder a esta pergunta, é importante responder outra: como é ser uma criança?

(algo fascinante: vejo esta “expansão intelectual” em praticamente tudo, basta tentar)

Como é ser criança?

Odiava ser criança. Brincar era legal, não havia trabalho (meus pais me mantinham), mas nem por isto meus problemas eram menores. Há adultos que te controlam e definem o que deve ser feito. Além disto, o mundo é assustador pois você não o conhece direito por ter uma visão limitada da realidade.

E justamente por ter uma visão limitada a criança se vê a mercê do adulto a quem deve obedecer de forma compulsória. O medo do desconhecido faz com que a criança se torne um ser quase solipsista, que vive em um mundo apenas seu, mas controlado por forças desconhecidas.

Seus problemas também não são tão menores como pensamos: basta se lembrar dos medos  que sentia ao se imaginar levando bomba na escola ou na possibilidade de perder seus pais, quem cuidaria de você? E se seus pais não fossem tão legais assim? E se você fosse adotado? Existem monstros no escuro?  Os medos da infância parecem tolos hoje que somos adultos, mas na época eram aterrorizadores.

Verdade seja dita: romantizamos a infância. Além da vulnerabilidade e dependência em relação aos adultos, sabe o que mais a “boa criança” costuma ser? Dócil. Afinal de contas, uma “criança boazinha”, tal como somos criados, é aquela que recebe “presentes do Papai Noel”, é aquele ser que não questionaque obedece.

Pra que infantilizar então?

Essencialmente por que você quer ter um controle maior sobre o outro, que não desejamos vir a se tornar um questionador. E que te admire, pois você estará, em relação ao infantilizado, como o adulto em relação à criança.

É curioso como em diversos casos de infantilização que observo os manda-chuva são pessoas extremamente adultas, formais, exemplares. Já notou isto?

E por que o fútil é tão valorizado? O que faz da fábrica de doces algo sedutor? Ela faz com que o adulto se esqueça dos problemas relativos ao seu amadurecimento. Você afunda o adulto em tolices para que ele se torne dócil.

Por que uma biblioteca de quadrinhos e não clássicos ou grandes livros? Por que os segundos são “chatos”? O que os torna chatos ou, ainda melhor, “quem” os vende como tal?

Por que me incomoda então?

Por que ao diminuir o indivíduo, termina por lotar de tolos o mundo. Confesso sentir calafrios ao pensar na formação de futuras gerações. Será este medo o resultado do meu envelhecer? Talvez.

Me incomoda muito pensar que as pessoas, em sua carência, acabam por se colocarem em uma posição inferior sem a menor necessidade.

Devo ser uma pessoa séria sempre então? Não: só tem de evitar se tornar um “retardado”.
(já notou que normalmente quem se da bem possuí uma forte tonalidade séria?)

PS:

controvérsias sobre a relação entre o Mario e Alice no País das Maravilhas, no entanto o simples fato de podermos fazer a conexão por conta própria já me parece algo incrível.

PS 2:

Sou contra o “trabalho infantil” :D


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Comentários

3 respostas para “Meu problema com a infantilização”

  1. Avatar de Juan Lopes
    Juan Lopes

    Não sei se concordo com você, Henrique. Há algo que me incomoda na infantilização, sim, mas não acho que é o mesmo que a você. E nem acho que ela seja necessariamente nociva em todos os casos.

    Especialmente no caso da vestimenta, vejo isso como processo natural das gerações mais novas de demonstrarem pouca reverência às práticas da geração anterior. Isso já aconteceu inúmeras vezes antes. O próprio jeans e camiseta, hoje tão comum, era um símbolo de rebeldia no meio do século passado.

    À cultura de startups, moldada majoritariamente por millenials, esperava-se nada menos do que uma caricatura de suas práticas pregressas. Algumas dessas práticas eu gosto, outras acho ridículas, mas tudo seguindo o caminho natural de envelhecer e me tornar ranzinza (estamos juntos).

    Agora, que isso não se confunda com outras práticas terríveis dessa mesma cultura de startups, que aí sim, como você fala, visa infantilizar as relações de trabalho. Isso é de me parece de fato nocivo. Mas não acho que tudo vá para esse lado.

    Além e apesar disso, acho que os millenials estão paradoxalmente mais cientes de sua força nas relações de trabalho do que as gerações passadas. Millenials tem menos medo de serem demitidos, valorizam mais a própria carreira do que a empresa em que trabalham, lutam por uma cultura que valorize a excelência do indivíduo, em vez dos contatos que ele tem.

    Acho que o saldo é positivo, se pensar bem.

    1. Avatar de Kico (Henrique Lobo Weissmann)
      Kico (Henrique Lobo Weissmann)

      Oi Juan,

      o exemplo do boné foi só pra mostrar o processo de amadurecimento no qual uma ideia puxa a outra.

      Sobre o que você disse, é bastante interessante, mas não consigo ver como a infantilização pode ser positiva. Como?

  2. Avatar de Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro

    Eu acabei de ler, no fórum de Python do Facebook, um post que faz referência a outro grupo, destinado a desenvolvedores fullstack, até mesmo desenvolvedores “semideuses”… É, saindo da infância e indo pra pré-adolescência :(

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